19
dez
Nota Pública sobre a Proposta de Emenda à Constituição para Criminalizar a Posse e o Porte de Entorpecentes e Drogas afins (PEC 45/2023)

As entidades que abaixo assinam, apresentam as seguintes considerações de aspectos técnico e jurídico quanto à Proposta de Emenda à Constituição n. 45/2023 do Senado Federal, que propõe alteração no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, para criminalizar a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins, independentemente da quantidade, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

1- Síntese 

O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é o pilar dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual seu teor é de cunho garantidor, fundado em princípios, tais como, da igualdade, assegurando ao indivíduo o direito à vida, à saúde, à educação, à segurança e etc. A inclusão de inciso  criminalizante à posse e ao porte de drogas, por si só, afronta a essência de tal artigo, vez que é absolutamente incompatível com a sua natureza e entra em flagrante conflito com tais direitos inegociáveis, especialmente no que tange à liberdade individual e à privacidade. 

Ademais, o referido artigo é cláusula pétrea, sendo determinantemente vedada quaisquer alterações, em especial, aquelas que visem restringir ou tolher direitos.

De plano, se infere que tal proposta é inconstitucional! 

 

  1. Violação ao Princípio da Proporcionalidade e o Racismo Institucional 

O princípio da proporcionalidade ordena que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou sob real ameaça de lesão e o bem de que pode alguém ser privado, isto é, a gravidade de possível penalidade. Toda vez que, nesta relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. Dito isto, é evidente que as medidas apresentadas pela PEC n. 45/2023 são desproporcionais.

  1. Princípio da Lesividade

O princípio da  lesividade ou ofensividade (nullum crimen sine iniuria) exige que do fato praticado decorra lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, para que dele surja  a pretensão punitiva. De modo que, se não houver lesão ao bem jurídico ou a terceiro, não há que se falar em punição.

Segundo o jurista Raul Zaffaroni, legisladores não devem criar políticas-criminais para punir aquelas condutas que não sejam lesivas a bens de terceiros, pois não excedem ao âmbito do próprio autor, é o caso em . Nesse sentido, leciona Zaffaroni:

“viola o princípio da lesividade ou ofensividade a proibição de porte de tóxicos para consumo próprio em quantidade e forma que não lesione nenhum bem jurídico alheio.”

Portanto, é inequívoco que a PEC n. 45/2023 viola diretamente o princípio da lesividade, tendo em vista que entorpecentes para consumo próprio não lesionam nenhum bem jurídico de terceiro e se, todavia, se argumentar que causa dano à saúde do usuário, há de ser tratado pela ótica da saúde pública, não da criminalização.

  1. Impactos das Propostas de Emenda à Constituição no âmbito da saúde pública, sociedade e economia

O enfrentamento às drogas, trata-se de uma escolha política que, além de não cumprir seus objetivos declarados de diminuir a oferta, o consumo e a circulação de determinadas drogas, produz violência em múltiplas dimensões. Como se não bastasse tamanho fracasso, essa estratégia custa caro – muito caro – aos cofres públicos. 

 

  1. Ineficácia da Abordagem Punitiva e Violação de Direitos Humanos

Estudos e experiências internacionais mostram que a criminalização do uso de drogas não conduz à redução do consumo. Políticas punitivas tendem a aumentar a violência e sobrecarregar o sistema judiciário e prisional, ao passo que não acessam profundamente as causas subjacentes do abuso de drogas. São comprovadamente mais eficazes aqueles modelos que agregam Redução de Danos, Assistência Social, Integração Comunitária e os espaços de uso assistido com atenção ao respeito aos Direitos Humanos.

 

  1. Evidências de Abordagens Alternativas e Análise Comparativa Internacional

A proposta de emenda à Constituição que busca criminalizar a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins não é a abordagem mais eficaz e democrática para lidar com a questão social do uso de drogas. Políticas baseadas em evidências, que enfatizem a proteção à saúde pública, aos direitos humanos e a redução de riscos e danos, podem oferecer soluções mais sustentáveis e humanitárias para este desafio complexo.

 

  1. Conclusão

Em face de todo o exposto, entende-se que eventual aprovação de Propostas de Emenda à Constituição em análise consolidaria legislativamente a “coisificação” de pessoas vulneráveis e reforçaria o racismo estrutural no âmbito do sistema penitenciário brasileiro, bem como na saúde pública. Desse modo, a presente Nota se posiciona contrariamente à aprovação das PEC n. 45/2023, em trâmite no Senado Federal. E por fim, ressaltamos a inconstitucionalidade por violar diretamente princípios e preceitos fundamentais que encontram guarida na Constituição .  

Assinam:

  1. Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas
  2. Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESeC 
  3. Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas
  4. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD 
  5. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexs – ABGLT 
  6. Associação Brasileira de Redução de Danos
  7. Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
  8. Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas – ABRAMD
  9. Associação de Amigos/as e familiares de presos/as – AMPARAR 
  10. Associação Mãesconhas do Brasil 
  11. Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP
  12. Agenda Nacional pelo Desencarceramento
  13. CANAPSE – Canabiologia, Pesquisa e Serviços 
  14. Centro de Convivência É de Lei
  15. Centro dos direitos humanos de Sapopemba – CDHS
  16. Coletivo Aroeira – Agroecologia e Redução de Danos
  17. Conectas Direitos Humanos
  18. Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal
  19. Cultive – Associação de Cannabis e Saúde
  20. Departamento Nacional de Enfermagem em Saúde Mental  – Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn)
  21. EDUCAFRO Brasil
  22. Escola Livre de Redução de Danos 
  23. Federação das Associações de Cannabis Terapêutica – FACT
  24. Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP 
  25. Frente Estadual pelo Desencarceramento da Paraíba
  26. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Paraná
  27. Frente Estadual pelo Desencarceramento do  Espírito Santo
  28. Frente Estadual pelo Desencarceramento Bahia
  29. Frente Estadual pelo Desencarceramento do  Acre
  30. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Rondônia
  31. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio Grande do Norte
  32. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Goiás
  33. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Santa Catarina
  34. Frente Estadual pelo desencarceramento de Sergipe
  35. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
  36. Frente Estadual pelo Desencarceramento Tocantins
  37. Frente Distrital pelo Desencarceramento
  38. Grupo de Estudos sobre Álcool e outras Drogas GEAD/UFPE
  39. Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão DiV3rso: Saúde Mental, Redução de Danos e Direitos Humanos- Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
  40. Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Políticas Públicas de Saúde Mental –
  41. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (GPIPPSAM – IEA/USP)
  42. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim
  43. Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras – IDAFRO 
  44. Instituto Equânime Afro Brasil
  45. Instituto Sou da Paz
  46. Instituto Terra Trabalho e Cidadania
  47. Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial 
  48. Justiça Global 
  49. Laboratório de Direitos Humanos e Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ
  50. Laboratórios de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos da Unicamp – LEIPSI
  51. Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
  52. Movimento nacional da população de rua
  53. Movimento  candelária nunca mais
  54. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – NEIP 
  55. Organização Social Da Sociedade Civil – Pretas Rua
  56. Pastoral Carcerária Nacional
  57. Plataforma Fervo2k20 
  58. Plataforma JUSTA 
  59. PROAD – Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes – UNIFESP/EPM
  60. Projeto Teto, Trampo e Tratamento / Instituto Adesaf – Articulação de Tecnologias Sociais e Ações Formativas
  61. Rede Brasileira de Redução de Dano e Direitos Humanos – REDUC
  62. Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas – REFORMA
  63. Rede Justiça Criminal
  64. Rede Latinoamericana de Pessoas que Usam Drogas – LANPUD
  65. Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas – RENFA 
  66. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
  67. Tulipas do Cerrado – Rede de Redução de Danos e Profissionais do Sexo do DF e Entorno

 

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