Este post inaugura a série #TiraTeimaSobreDrogas, criada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em parceria com o psiquiatra Luis Fernando Tófoli, coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi), da Unicamp. Entre julho e outubro de 2018, checaremos as declarações dos(as) presidenciáveis sobre temas relacionados à política de drogas. Para ter acesso a todas as checagens já feitas, clique aqui.
No dia 28 de maio de 2018, o pré-candidato à presidência da República pelo PDT, Ciro Gomes, participou de sabatina no programa Roda Viva, veiculado pela TV Cultura. Checamos sete afirmações sobre política de drogas feitas pelo candidato para saber se elas têm fundamento. É possível dizer que não há precedente internacional de mudanças positivas nas leis de drogas? É verdade que Portugal não descriminalizou? Confira:
“Portugal não descriminalizou” – Incorreto
Ao contrário do que disse o candidato, Portugal descriminalizou o porte para consumo de todas as drogas[1]. O candidato, inclusive, descreve precisamente a experiência portuguesa, que é a de descriminalização. O que não significa dizer que Portugal legalizou, isto é, que teria tornado legal toda a cadeia produtiva de uma ou mais substâncias psicoativas. Em Portugal, o porte de drogas para tráfico continua a ser crime e é determinado pela quantidade. O candidato parece ter confundido os conceitos de “legalização” e “descriminalização”.
“Não existe um precedente internacional que diga ‘tá ali, ó: eles fizeram e deu profundamente certo; nós precisamos imitar’” – Não é bem assim
Quando o assunto são mudanças nas políticas de drogas, a maior parte das pessoas pensa em um bloco homogêneo que se aproxima do conceito de “legalização”. No entanto, ao redor do mundo, é possível identificar inúmeras experiências bem-sucedidas de reforma que vão desde a descriminalização do porte para consumo à regulamentação do cultivo, à legalização na prática ou à regulação total do mercado.
Exemplos incluem a política de tolerância holandesa, que existe há décadas e que legalizou na prática a venda e o consumo de maconha nos chamados coffee shops[2]; o caso de Portugal, que descriminalizou o porte para consumo de todas as drogas[3] (exemplo seguido por diversas nações europeias e latino-americanas, como Bélgica, Chile, México, Peru e República Checa); as diferentes experiências de legalizações da maconha nos estados norte-americanos[4] e no Uruguai[5]; as políticas de regulação do acesso à maconha medicinal nos Estados Unidos[6], no Chile[7], em Israel[8], na Austrália[9], entre outros países; e a experiência dos clubes de cultivo de maconha espanhóis[10].
Sendo assim, diferente do que afirmou o candidato, há, sim, precedentes internacionais de reformas nas políticas de drogas que trouxeram efeitos positivos.
“[Portugal estabeleceu a mudança na política de drogas] sem lei, sem plebiscito” – Incorreto
Em Portugal, a decisão pela descriminalização ocorreu, sim, por uma lei, conhecida justamente como Lei da Descriminalização do Consumo, nº 30/2000[11], de 29 de novembro de 2000. Quem fez esse tipo de mudança sem descriminalizar na lei foi a Holanda, embora a legalização completa esteja sendo discutida por lá atualmente.
“[A política estabelecida em Portugal] não está madura ainda o suficiente para se dizer ‘funcionou’” – Exagerou
É difícil saber por que o candidato considera a experiência portuguesa de descriminalização pouco madura, já que, se fosse um ser humano, essa política chegaria à maioridade em novembro deste ano. Já são 17 anos completos e bons resultados obtidos, sobretudo, na área da saúde[12]. Desde então, diversos outros países europeus e sul-americanos seguiram o mesmo caminho.
Além disso, estudos sobre os efeitos da descriminalização em Portugal têm mostrado os impactos positivos dessa experiência, mantendo taxas baixas de uso de drogas se comparadas a outros países europeus e índices menores de contaminação por HIV/Aids e Hepatites[13].
“A política do Uruguai tem mais ou menos a mesma data [que a descriminalização em Portugal] e não está funcionando” – Incorreto e não é bem assim
Embora o Uruguai tenha descriminalizado o porte de drogas para uso pessoal em 1974, a experiência da legalização é muito mais nova do que a lei portuguesa de descriminalização. A lei que regula o mercado de maconha no Uruguai foi aprovada no fim de 2013[14], e a venda efetiva nas farmácias, completando o ciclo de legalização, começou somente no ano passado. Por isso mesmo, ainda é cedo para afirmar que a nova política “não está funcionando”, especialmente quando não há indicações por parte do candidato sobre os parâmetros que ele usou para fazer tal afirmação.
“A política da Califórnia aparentemente está funcionando, mas eles avançaram para drogas leves” – Não é bem assim
Assim como o Uruguai, a Califórnia também legalizou o mercado de maconha. No entanto, essa mudança é ainda mais recente – foi aprovada em 2017[15]. Sendo assim, não há explicação para o candidato afirmar que a política uruguaia não está funcionando, mas que a experiência californiana tem dado certo. Na melhor das hipóteses, o que se pode falar sobre essas experiências de legalização é que é recomendável aguardar mais dados para avaliar.
“O que não dá é para ter 62 mil homicídios, quase todos jovens, quase todos pobres, quase todos negros, vinculados ao problema da droga, e a gente fazer de conta que vai resolver isso com moralismo” – Correto, mas exagerou
Embora não seja possível afirmar categoricamente que proporção do número de homicídios no Brasil está relacionada às drogas, organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional[16], concordam que a atual política de drogas brasileira está nas bases do agravado quadro de segurança pública no Brasil. A frase do candidato, apesar de exagerada, reflete um real problema brasileiro.
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