04
set
#TiraTeimaSobreDrogas: Fernando Haddad para o Catraca Livre

Este é o quarto post da série #TiraTeimaSobreDrogas, criada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em parceria com o psiquiatra Luis Fernando Tófoli, coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi), da Unicamp. Entre julho e outubro de 2018, checaremos as declarações dos pré-candidatos à presidência da República sobre temas relacionados à política de drogas. Para ter acesso a todas as checagens já feitas, clique aqui.

Excepcionalmente, o post de hoje analisa declarações feitas por um candidato a vice-presidente. Uma vez que o ex-presidente Lula, candidato pelo PT, está preso e se encontra impossibilitado de dar entrevistas e de participar de debates, seu colega de chapa, Fernando Haddad, tem assumindo a posição de porta-voz da candidatura. Por esse motivo, a equipe do #TiraTeimaSobreDrogas avaliou que as falas de Haddad também deveriam ser checadas. A recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de negar o registro da candidatura de Lula evidenciou ainda mais a importância de acompanhar as declarações públicas feitas por Fernando Haddad em contexto eleitoral.

Em entrevista realizada para o portal online Catraca Livre no dia 13 de agosto, o candidato falou abertamente sobre os impactos da política de drogas no sistema de justiça criminal do país (para assistir a entrevista completa, clique aqui). É verdade que a atual Lei de Drogas já prevê a descriminalização do porte para consumo pessoal? Podemos dizer que nossa legislação leva à prisão principalmente pessoas que estavam portando pequenas quantidades de drogas? Confira a checagem:

“A descriminalização está dada na lei, o problema é que a legislação não é clara, que deixou lacunas” – Não é bem assim

Ao contrário do que diz o candidato, a Lei de Drogas 11.343/06[1] não prevê a descriminalização do porte para consumo próprio, mas sua despenalização. Isso significa que o porte para uso pessoal continua sendo crime de acordo com a lei, mas não é punido com pena de prisão. Alguns especialistas dizem que a despenalização é uma descriminalização na prática, mas não é possível dizer que, na lei, o uso de drogas no Brasil é descriminalizado.

“Como a lei dá margem para interpretação sobre quem é usuário e quem é traficante, começamos a encarcerar todo mundo, usuário e traficante” – Correto

Apesar de a legislação atual continuar criminalizando tanto o porte para consumo quanto o porte para tráfico, ela faz, de fato, uma diferenciação entre essas duas condutas. Enquanto o crime de tráfico de drogas é penalizado com no mínimo 5 anos de prisão (art. 33), o consumo é punido com medidas restritivas de direitos (art. 28), como a prestação de serviços à comunidade. No entanto, a lei abre significativa margem de interpretação para que policiais, delegados e juízes definam que é “usuário” e quem é “traficante”. No segundo parágrafo do artigo 28, a legislação diz que o magistrado deve se atentar “à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Como a legislação deixa margem para a interpretação dos juízes, na prática, o que acontece é que o julgamento desses profissionais é influenciado por estereótipos sobre os acusados, preconceitos e muito, muito racismo[2].

“O que temos hoje é o encarceramento em massa de pessoas que estão portando pequenas quantidades de drogas” – Correto

Nos últimos 22 anos, aumentamos em seis vezes o número de pessoas presas[3]. E, desde que a Lei de Drogas foi promulgada, em 2006, o número de condenações por tráfico de drogas aumentou em 160%[4]. Diferentes estudos feitos no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo mostram que a maior parte das prisões por drogas se dá por pequenas quantidades. Definitivamente, não estamos prendendo os “peixes grandes”[5][6][7].

“Em vez de estar preservando a vida, nós estamos encarcerando homens e mulheres negros sem resultado nenhum” – Correto

Como já comentado acima, as estatísticas mostram o crescimento exponencial da população carcerária no Brasil nas últimas décadas. E, de fato, os dados oficiais apontam que a maior parte das pessoas presas no Brasil é negra[8]. O caso é especialmente grave no caso das mulheres: as prisões de mulheres cresceram 500% nos últimos 15 anos, especialmente por conta do crime de tráfico de drogas[9]. E, sim, a maior parte dessas mulheres também é negra[10].

“Se a gente continuar encarcerando dessa maneira, o sistema carcerário, que já está explodindo, vai se tornar algo ingovernável” – Correto

Hoje, o sistema de justiça criminal já enfrenta graves problemas de superlotação[11]. Para igualarmos o número de vagas nas prisões ao número atual de presos, teríamos de construir 1.400 unidades prisionais[12]. Se atualmente a situação já está péssima, daqui a alguns anos o cenário será catastrófico: se mantivermos o crescimento no número de pessoas presas no Brasil, em 2025 alcançaremos o número de 1,4 milhões de pessoas presas no Brasil[13], o dobro do que temos hoje.

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Para saber mais sobre a metodologia utilizada para as checagens, clique aqui.

 

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