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#TiraTeimaSobreDrogas: Geraldo Alckmin para a Globonews

Este é o quinto post da série #TiraTeimaSobreDrogas, criada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em parceria com o psiquiatra Luis Fernando Tófoli, coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi), da Unicamp. Entre julho e outubro de 2018, checaremos as declarações dos pré-candidatos à presidência da República sobre temas relacionados à política de drogas. Para ter acesso a todas as checagens já feitas, clique aqui.

No dia 29 de agosto, o candidato à Presidência da República pelo PSDB, Geraldo Alckmin, concedeu entrevista ao Jornal das Dez, programa do canal de notícias GloboNews (para assistir à entrevista, clique aqui). Na ocasião, Alckmin comentou sobre os impactos da política de drogas na saúde.

É verdade que usar algumas drogas pode ser “porta de entrada” para o consumo de outras substâncias? Há evidências consolidadas de que as comunidades terapêuticas funcionam? Confira:

“Temos que tomar cuidado com a legalização de drogas que aparentam ser menos perigosas, mas que acabam sendo porta de entrada para outras substâncias” – Não é bem assim

A teoria de que algumas drogas de menor potencial ofensivo, como a maconha, são a “porta de entrada” para o uso de substâncias mais pesadas já foi amplamente contestada. Os dados indicam que a maior parte das pessoas que fazem uso de maconha não migra para o uso de outras drogas[1] e que outras razões são determinantes para que uma pessoa decida fazer essa mudança[2]. Além disso, a legalização dessa substância tem se mostrado uma espécie de “porta de saída”, uma vez que, para ter acesso a ela, seus consumidores não precisam mais ter contato com outras substâncias mais perigosas[3].

“O Brasil é o primeiro [país] consumidor de crack no mundo e o primeiro ou segundo de cocaína” – Correto, mas faltam informações

O Brasil é o maior mercado consumidor de crack do mundo, como afirma o candidato. Entretanto, em relação à cocaína, certamente não é o primeiro e, a depender dos dados disponibilizados pela China, que estão defasados, é o segundo ou terceiro maior mercado de cocaína. Mas esses dados se referem apenas a estimativas de consumo em termos absolutos, e não aos níveis de consumo por habitante. Segundo as informações mais recentes do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC)[4], o Brasil divide com a Noruega o 21º lugar na prevalência do uso de cocaína no mundo. Os três países com maiores taxas populacionais de uso de cocaína são a Albânia, o Reino Unido e os Estados Unidos.

“[É preciso] fazer convênio com comunidade terapêutica, o que faz uma diferença espetacular e tem um custo menor” – Incorreto

Ao contrário do que sugere o candidato, não há estudos que comprovem que investir em comunidades terapêuticas seja custo-efetivo. Uma revisão sistemática da Cochrane indica que não há vantagem em termos de resposta clínica em se optar por comunidade terapêutica ao invés do tratamento em liberdade[5]. Isso não quer dizer que algumas pessoas não possam se beneficiar desse recurso, mas elegê-lo como única forma de cuidar da questão não está baseado na melhor evidência disponível.

“Dependência química é doença, tipo apendicite ou pneumonia, você precisa tratar” – Incorreto

Ao contrário do que sugere o candidato, a epidemiologia da dependência química não é de modo algum similar a de uma apendicite (que se trata com medicamentos ou, mais comumente, com cirurgia) ou de uma pneumonia (que se trata com antibióticos). Em nenhum desses dois casos as taxas de efetividade são tão baixas, nem há tamanhas taxas de recaída. Fatores sociais, embora possam ter algum papel nessas duas doenças clínicas, são cruciais na questão da dependência química[6]. Nesse caso, outras políticas públicas, como assistência social e geração de emprego e renda, são necessárias, para além das políticas de saúde[7].

“O número de pessoas na cracolândia de São Paulo diminuiu” – Exagerou

A população da cracolândia, que existe há pelo menos 25 anos em São Paulo, é dinâmica e móvel. Ela não diminuiu com as primeiras ações implementadas pelo então governador Geraldo Alckmin (2011-2018) e pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (2006-2013)[8], e parece ter se atomizado em diversas outras cracolândias menores distribuídas pela cidade depois das ações de remoção executadas pela gestão de João Dória (2017-2018)[9]. Nenhuma das ações públicas do estado ou do município foram capazes de diminuir significativamente a população que frequenta a cracolândia, porque, como dito anteriormente, o uso problemático de drogas é uma questão social, não médica ou policial[10]. O programa ‘De Braços Abertos’, uma das poucas iniciativas que buscava investir em políticas sociais como forma de lidar com essa situação e que estava apresentando resultados positivos[11], foi extinto pela atual administração municipal.

“Não é por acaso que das 50 cidades mais violentas do mundo, 17 estão no Brasil e 14 nas regiões mais pobres do país. É a droga” – Errado

Os dados sobre a violência nas cidades apresentados pelo candidato estão corretos. Mas não é possível dizer que esse quadro esteja relacionado simplesmente às drogas ilícitas. Embora em nível individual seja possível fazer uma associação entre consumo de álcool e cocaína e a chance de ser um agressor ou vítima de violência, as taxas populacionais de consumo de drogas não demonstram correlação com os índices de violência de um determinado lugar. O maior determinante conhecido para a violência é a desigualdade social[12]. Além disso, o uso de álcool está mais associado à violência do que as drogas ilícitas, e diversos países que têm taxas mais altas de uso de drogas por habitante que o Brasil não têm violência letal associada a ela. É fundamental reconhecer que parte dessas mortes vem da disputa de pontos de venda por facções criminosas diante de um mercado não regulamentado[13].

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Para saber mais sobre a metodologia utilizada para as checagens, clique aqui.

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