O Brasil ficou em último lugar no Índice Global de Políticas de Drogas, lançado nesta segunda-feira (8). O estudo, que avalia 30 países, foi elaborado pelo Harm Reduction Consortium, que reúne organizações que defendem a chamada política de redução de danos, voltada para mitigar consequências negativas do uso de drogas.
O índice mede como as políticas de drogas, tanto no papel quanto na prática, estão alinhadas com princípios das Nações Unidas relacionados aos direitos humanos, saúde e desenvolvimento. A pontuação vai de 0 a 100. O Brasil atingiu 26 pontos. É quase metade da média dos países avaliados, 48 pontos. A Noruega obteve a maior nota, 74 pontos.
No ranking dos três piores, junto com o Brasil estão Uganda e Indonésia. Já entre os melhores, a Noruega está acompanhada da Nova Zelândia e de Portugal.
“Não é uma surpresa. O resultado traduz o que vemos todos os dias no Brasil”, disse a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, no evento de apresentação do índice.
Mortes em operações
Um dos quesitos que derrubaram a nota brasileira foi o alto número de mortes provocadas pela polícia em operações contra o tráfico de drogas. É o caso, por exemplo, do massacre do Jacarezinho, em maio deste ano, quando 28 pessoas foram assassinadas na favela carioca durante uma ação policial. Documentos relacionados à investigação revelaram indícios de que a polícia cometeu execução e alterou a cena do crime.
“No Brasil, a polícia mata cerca de 4 mil pessoas todos os anos, na maioria jovens negros envolvidos no mercado da droga, mas que negociam pequenas quantias. Não são os grandes traficantes”, afirma Lemgruber.
O estudo avalia que, além do Brasil, a nota média dos países analisados foi baixa. “As políticas de drogas da maioria dos países estão desalinhadas com as obrigações dos governos de promover saúde, direitos humanos e desenvolvimento, e continuam a se basear em criminalização, prisão, erradicação forçada e intervenções policiais como forma de controle das drogas”.
Mortes e prisão
O Índice Global de Políticas de Drogas avaliou 75 indicadores, divididos em 5 grupos. O primeiro deles diz respeito à existência ou não de medidas extremas de combate às drogas. Entre elas, pena de morte, em vigor em três países analisados: Índia, Tailândia e Indonésia. Além disso, assassinatos extrajudiciais — por exemplo, em operações policiais e militares de combate às drogas.
Nesse quesito, o Brasil obteve uma das notas mais baixas entre os países avaliados, 45 pontos, na escala de 0 a 100. “O Brasil está isolado no índice como um país onde o uso desnecessário de força letal na aplicação da lei de drogas é visto como endêmico”, diz o relatório.
O segundo grupo de indicadores analisados diz respeito à proporcionalidade das prisões e julgamentos criminais. Isso inclui casos de prisão ou detenção arbitrárias, existência ou não de penas alternativas à prisão e descriminalização do uso e da posse de drogas. A nota do Brasil foi de 20 pontos.
Desde 2006, usar drogas no Brasil é considerado uma infração de menor potencial ofensivo, que não pode levar à prisão. Em outras palavras, usar drogas continua sendo um crime, mas as penas aplicadas não envolvem restrição de liberdade.
Já tráfico de drogas tem pena de prisão. A questão é que a lei não define as quantidades de droga que distinguem o que é uso do que é tráfico, cabendo ao judiciário definir caso a caso. A nova Política Nacional de Drogas, lançada em dezembro de 2019 pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), reforçou que a diferenciação entre porte e tráfico não se dê pela quantidade de droga, mas pela circunstância da ocorrência.
O Brasil tem um número muito elevado de pessoas presas por crimes ligados a drogas. São 200 mil, segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, de dezembro de 2019. É o segundo principal motivo de prisões no Brasil, atrás de crimes contra o patrimônio.
No caso das mulheres, as drogas estão ligadas à maioria das prisões, 51% dos casos. Entre adolescentes, os dados disponíveis sinalizam que o combate às drogas também é responsável pela maior parte das internações em instituições socioeducativas. Na Fundação Casa, em São Paulo, é o caso de 50% dos adolescentes, de acordo com dados de outubro deste ano.
Redução de danos
O Índice Global de Políticas de Drogas também avaliou os países de acordo com as políticas de saúde e redução de danos para usuários de drogas —iniciativas que não visam obrigatoriamente o fim do consumo de drogas, mas minimizar danos sociais e à saúde dos usuários. Neste quesito, a nota brasileira foi a mais baixa dentre todos os países e critérios avaliados, apenas 9 pontos, de 0 a 100.
Considerou-se que o Brasil não dá prioridade para políticas de redução de danos para usuários de drogas. A própria Política Nacional sobre Drogas do governo Bolsonaro é centrada na abstinência em vez da redução de danos, além de direcionar investimento para as chamadas comunidades terapêuticas —locais que oferecem tratamento para usuários de drogas, geralmente geridos por entidades religiosas ou privadas.
Entre as políticas de drogas, o estudo considerou ainda o acesso a medicações controladas para alívio de dor e sofrimento. É o caso participar de opióides como a morfina, que podem ser usados no tratamento de pacientes com câncer terminal, por exemplo. Nesta área, o Brasil atingiu 30 pontos, na escala de 0 a 100.
Por fim, o índice leva em conta políticas de desenvolvimento para favorecer alternativas ao cultivo de drogas. Ou seja, em vez de somente destruir plantações, ter políticas para desenvolver outras fontes de renda nas regiões produtoras. O Brasil e a grande maioria dos 30 países avaliados não têm políticas nessa área. A exceção é Afeganistão, Colômbia, Jamaica e Tailândia.