A década da violência

Pesquisa revela que em 12 anos cresceu 130% o número de assaltos no estado em que 22 pessoas são mortas por dia

Vinte e duas pessoas assassinadas, 92 veículos roubados, 51 carros furtados, 52 assaltos a pedestres, 14 assaltos em ônibus, 37 roubos de telefone celular, 19 a estabelecimentos comerciais, dez a bancos e cinco a residências. Assim termina um dia comum no Estado do Rio de Janeiro.

Os números, relativos a 2002, fazem parte de uma pesquisa recém-concluída pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec/Ucam), que analisa os dados da criminalidade nos últimos 12 anos, período em que o Rio experimentou quatro governos.

A pesquisa traça um quadro dramático da violência no estado e na capital: de 1991 a 2002, a taxa de roubos saltou de 564,9 (por cem mil habitantes) para 1.293,9 no município, o que significa um aumento de 129%. E de 334 para 769,4 no estado (130%). O índice leva em conta todos os tipos de roubo registrados pela polícia.

– Isso é apenas a ponta do iceberg – diz Leonarda Musumeci, professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora da área de criminalidade e violência do Cesec. – Estudos mostram que apenas 20% ou 25% dos roubos são notificados. Ou seja: a realidade é ainda pior.

Outro dado angustiante é o comportamento da taxa de homicídios. Em 1991, no município, ela estava em 63,3 (por cem mil habitantes). Três anos depois, bateu um recorde, chegando a 72,9. Nos anos seguintes, despencou, atingindo 36,8 em 1998. Mas, a partir daí, segundo os registros policiais, praticamente se estabilizou num patamar ainda alto, esboçando ligeira tendência de alta. Em 2002, ela estava em 45,2 na capital e 46,2 no estado.

Para se ter uma idéia do que esses números representam, basta dizer que nos últimos 12 anos o Estado do Rio enterrou 84.907 vítimas de homicídios. É como se a população de uma cidade como Araruama, na Região dos Lagos, fosse dizimada em pouco mais de uma década.

O estudo mostra também que os assassinatos são concentrados na ponta pobre da cidade: em Santa Cruz, Campo Grande e arredores, a taxa de homicídios vai de 47,5 a 88,1 por cem mil habitantes (2002), índice superior ao da cidade de Port Elizabeth, uma das mais violentas da África do Sul.

No outro extremo do Rio, os bairros de Botafogo, Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Gávea, São Conrado, Rocinha e arredores apresentam taxas de homicídio que variam de 5,9 a 10,3 por cem mil habitantes, comparáveis, por exemplo, às de Nova York, nos Estados Unidos.

– Só mesmo políticas de médio e longo prazos vão conseguir melhorar esses índices – diz Leonarda. – Essa política de enxugar gelo claramente está esgotada. Já se viu que ela não resolve.

A pesquisa revela ainda que alguns crimes se tornaram mais violentos ao longo dos últimos anos. Em 1996, por exemplo, o Estado do Rio ainda tinha mais furtos (praticados sem violência ou na ausência da vítima) do que roubos de carro. No ano passado, a relação já era de quase dois roubos para cada furto. Uma tragédia.

Perdido no meio da estatística, está o drama do jornalista Pedro Bial, que teve o seu Golf roubado na noite de 3 de abril de 2002 na Avenida Niemeyer. Depois de entregar o veículo aos bandidos, um deles disparou contra o apresentador. O tiro passou tão perto que Bial foi ao chão:

– Eu me fingi de morto e eles foram embora. Quando me socorreram, perguntei: onde está o sangue? Estava certo de que tinha sido atingido.

Situações de terror como essa se tornaram freqüentes em algumas áreas da cidade. De acordo com o estudo do Cesec, na região da Leopoldina cortada pela Avenida Brasil, pela Linha Vermelha e por parte da Linha Amarela, o número de furtos e roubos de veículo aumentou 52% entre 1999 e 2002.

A região é tão violenta que costuma ser chamada de Faixa de Gaza, numa referência ao território onde ocorrem freqüentes conflitos entre israelenses e palestinos. A professora Eliane Godoy e seu marido, o engenheiro Mauro José Bichara, souberam disso quando tiveram o seu carro roubado na Rua Leopoldo Bulhões, em Manguinhos, em janeiro deste ano.

– Na delegacia, um policial nos disse: “Olha, vocês deveriam levantar as mãos para o céu por não ter acontecido algo mais grave. Aquela região é conhecida como Faixa de Gaza.Vocês não sabiam?” – contou Eliane, que mora no Recreio e estava indo a uma festa de formatura em Bonsucesso.

A pesquisa completa do Cesec poderá ser consultada a partir do próximo domingo no site www.cesec.ucam.edu.br.

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São Paulo tem taxas maiores

O Rio leva a (má) fama, mas as taxas de algumas modalidades de crime na cidade de São Paulo superam as da capital fluminense, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) referentes a 2001. O índice de homicídios dolosos registrado na capital paulista foi de 49,3 por cem mil habitantes, contra 35,6 no Rio.

Este índice difere daquele que é apresentado na pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec/Ucam), porque a Senasp contabiliza o número de registros, enquanto o Cesec conta o número de vítimas. A polícia do Rio disponibiliza os dois números. Por isso, na estatística da Senasp a taxa do Rio é de 35,6 em 2001, enquanto no estudo do Cesec ela é de 41,3.

As taxas de São Paulo superam as do Rio também em relação aos roubos de veículo: 498,7 (por cem mil habitantes) em 2001 contra 326,3, de acordo com os dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Em relação a seqüestros, a diferença entre as duas capitais é gritante. Enquanto São Paulo registrou 202 seqüestros em 2001 (com taxa de 1,9 por cem mil habitantes), o Rio contabilizou apenas três (taxa de 0,1), segundo os números da Senasp.

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Punguistas e descuidistas ficaram para trás

Punguista, descuidista, lalau, gatuno. Aos poucos, essas palavras vão sendo surrupiadas da língua pela violência do dia-a-dia. Diz o Aurélio sobre punguista: “pessoa que pungueia, batedor de carteiras”. Sobre descuidista, o dicionário registra: “gatuno que atua valendo-se de uma distração, descuido, falta de vigilância da vítima”. Mas, onde foram parar esses ladrões de antigamente?

No vocabulário que incorporou palavras como AR-15 (o fuzil), o ladrão que esperava a vítima dormir para levar o seu carro caiu em desuso. Os números da pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec/Ucam) não deixam dúvida: no Rio de Janeiro, o furto acabou sendo substituído pelo roubo.

De acordo com a pesquisa, em 2002 a relação entre roubo e furto de veículos no Rio (número de roubos dividido pelo número de furtos) era de 1,8. Ou seja: nos registros da polícia, havia quase dois roubos para cada furto de carro.

– No Rio, parece ter ficado mais fácil roubar carro do que furtar – afirma a pesquisadora Leonarda Musumeci, professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora da área de criminalidade do Cesec.

Doze anos atrás, a relação entre roubos e furtos de veículos no Rio era de 0,7, ou seja, na época ainda havia mais furtos do que roubos.

Gráficos homicídios:

Gráfico roubos:

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