Pesquisa revela que 70% dos parentes de pessoas assassinadas sofrem perturbações psicológicas
RIO – Desde que o filho de 15 anos morreu na chacina da Baixada Fluminense, há mais de três meses, Dulcinéia Maria Sipriano, de 52 anos, não consegue mais dormir nem comer. Não é para menos, a lembrança de Marcos Vinícius toma conta de seus pensamentos 24 horas por dia, tornando quase inviável a possibilidade de retomar a rotina. Dulcinéia corre o risco de engrossar a estatística de parentes de vítimas de homicídios que adquirem algum tipo de complicação psicológica provocada pelo trauma. De acordo com a pesquisa “As vítimas ocultas da violência no Rio de Janeiro”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, cerca de 70% das pessoas que perdem familiares assassinados manifestam mudanças no comportamento, que variam de flashbacks a crises nervosas.
Para realizar o estudo, o sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares entrevistou 690 pessoas, entre 2002 e 2003, no município do Rio. O trabalho tem objetivo de analisar a influência emocional sobre quem teve parentes mortos subitamente – por violência, acidentes ou suicídio -, mas 59% dos casos analisados foram de homicídio.
“Casos de assassinato são comuns em qualquer lugar, mas a freqüência é maior onde há tráfico de drogas. A geografia facilita a ocorrência deste tipo de crime”, explica Soares.
Dados da pesquisa revelam que 60% dos entrevistados de uma forma geral apresentam fortes reações emocionais mesmo depois de quatro anos da morte dos parentes. Neste mesmo período, entre 60% e 70% experimentam flashbacks – lembram constantemente situações ocorridas no passado – e, no caso específico de homicídio, o fenômeno incide em 71,8% das pessoas.
Datas, notícias, situações e, principalmente, lugares são alguns dos fatores que provocam as lembranças e, conseqüentemente, crises emocionais. Para resolver o problema, a opção muitas vezes é mudar de casa, o que nem sempre dá resultado. “A perda da qualidade de vida, devido aos problemas psicológicos causados pelo trauma, é um fator comum entre todas esta pessoas”, acrescentou o sociólogo.
Terapia
O tratamento psicológico seria o ideal para minimizar os efeitos da perda, mas a mesma pesquisa revela que a resistência a este tipo de procedimento ainda é muito grande, principalmente nas comunidades mais pobres.
Dos entrevistados, apenas 4% buscaram ajuda; outros 4% declararam que não tentaram auxílio psicológico mas tiveram vontade e 1% procurou, mas não encontrou atendimento. Setenta e cinco por cento das pessoas responderam que não tinham interesse porque consideravam a ajuda desnecessária.
Ainda sob o choque do homicídio de Marcos Vinícius, Dulcinéia está claramente deprimida e confessa que “não vive, apenas vegeta”. Mas, nem pensa em fazer terapia para minimizar o sofrimento.
“É muito difícil ver um filho inocente morrer assassinado, um adolescente carinhoso e comportado. Para mim, nada pode acabar com essa tristeza”, lamenta.
Gláucio acredita que a resistência à busca de atendimento psicológico seja um fenômeno de classe e de gênero, porque “ir à terapia” ainda é considerada uma atividade típica da classe média carioca. “As entrevistas qualitativas sugeriram, também, uma resistência maior de homens a qualquer forma de terapia ou de ajuda psicológica” completa.
A psicoterapeuta Patrícia Tolmasquim, da organização governamental Olha Para Mim – que atende moradores de rua – acredita que o cotidiano violento das famílias de baixa renda contribui para que a tristeza permaneça mesmo após um longo período a perda de um parente por assassinato.
Para Patrícia, no entanto, os parentes das vítimas não procuram ajuda psicológica devido à dificuldade de se encontrar este tipo de serviço na rede pública de saúde.
“Uma família de classe média tem recursos financeiros para optar pelos mais variados tipos de terapia. Mas, para a população de baixa renda, a única opção é o serviço público e não há psicólogos em posto de saúde”, explica.