Maioria das 27 propostas do Plano Nacional de Segurança para o sistema penitenciário não foi implementada
A maioria das 27 propostas existentes no Plano Nacional de Segurança Pública para reverter o quadro catastrófico dos presídios brasileiros e evitar a expansão de grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a eclosão de rebeliões não foi posta em prática pelo governo federal. “A maior parte delas ficou no papel”, afirma a socióloga Julita Lemgruber, que trabalhou para a elaboração do capítulo relativo ao sistema penitenciário do plano.
O Plano Nacional de Segurança Pública foi uma das principais bandeiras de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então candidato à Presidência em 2002. Julita lamenta o fato de a situação caótica nos presídios não ter se alterado. “Eu me sinto frustrada. Lula dizia que era o único presidente que já assumiria com um plano de segurança e que ele começaria a ser implementado no primeiro dia de seu governo. E, aí, ele assume e esquece tudo?”
Um dos problemas mais graves, ela aponta, é o contingenciamento dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Esse era justamente o tema do primeiro item do capítulo, que dizia: “Determinação expressa para que os recursos do Funpen não sejam contingenciados”. Atualmente, segundo confirma o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), R$ 140 milhões “carimbados”, ou seja, que não podem ser usados para outros fins, estão bloqueados.
Estudo e trabalho para os presos, que devem ser providenciados pelo Estado, conforme defende o plano e determina a Lei de Execuções Penais (LEP), também estão muito aquém do que se deveria esperar a essa altura do governo Lula, na visão da pesquisadora. Dos 362 mil homens e mulheres que compõem a população carcerária brasileira, apenas 26% trabalham e 17% estudam, segundo levantamento feito em 2003. E o número de internos que deveriam estar na escola é enorme: 70% não completaram o ensino fundamental e 10% não foram alfabetizados.
As propostas incluem ainda o “efetivo apoio técnico e financeiro aos Estados que criarem programas de penas alternativas” e o “apoio financeiro e técnico à informatização das fichas e cadastros dos apenados, de tal modo que se evitem os atrasos na concessão do benefício da progressão de pena” – temas considerados de extrema importância para se conter a superlotação nas cadeias. “O governo federal optou por não se envolver na segurança pública, para não ser cobrado quando algo der errado nos Estados. Prefere ser chamado de omisso do que de incompetente. É uma estratégia covarde”, diz Julita.
A construção de presídios federais, item de número 21 do plano, começou, mas avança lentamente – o de Catanduvas (PR) foi inaugurado, mas só recebeu um detento, o traficante Fernandinho Beira-Mar. Outros três presídios estão em obras. O plano previa cinco presídios, um em cada região do País.
Entre as propostas não implementadas, a historiadora Vera Malaguti, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia, destaca a revisão dos processos dos encarcerados, fundamental para que as celas sejam liberadas para quem realmente deve estar lá. “O Brasil tem Guantánamo como modelo. Aquilo é bom?”, diz Vera. No entanto, ela considera “perverso” culpar somente o governo federal pelo sistema atual.
Maurício Kuehne, diretor do Depen, garante que já houve avanços. “Depois de muita luta, conseguimos a liberação de R$ 200 milhões do Funpen. É um recurso substancial”, afirma. Ele informa que o órgão está empenhado em aumentar a oferta de trabalho e escola para os presos. Hoje deverá ser feita uma reunião em Vitória (ES) para discutir uma parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) para instalar cursos profissionalizantes nas prisões.Para melhorar as condições dos presídios, o Depen, conforme Kuehne, vem fazendo inspeções por todo o Brasil. Cinqüenta unidades já foram vistoriadas. O treinamento de agentes penitenciários também tem merecido maior atenção – até o início de 2005, informa, existiam cinco escolas penitenciários no País; em breve, serão 17. “O plano está sendo implementado, sim. É um resgate depois de uma omissão centenária”, diz.
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