Silvia Ramos a Paulo R. Moreira, sobre projeto Juventude e Polícia

O Globo – Caderno Razão Social

 

Polícia e juventude, parceria que pode dar certo

Quebrar a barreira que existe entre jovens de favelas e policiais não é tarefa fácil. Mas esse é o objetivo do projeto Juventude e Polícia, coordenado pelo Grupo Cultural AfroReggae e pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Com recursos da Fundação Ford e da CEMIG, essa iniciativa pioneira no Brasil foi desenvolvida em dois batalhões da Polícia Militar de Minas. Silvia Ramos, coordenadora do CESeC, faz um balanço positivo do projeto, que capacitou policiais com oficinas de arte e estreitou as relações entre corporação e comunidades carentes. A iniciativa está retratada no documentário “Policia Mineira”, dirigido por Estevão Ciavatta, e vai virar livro.

 

O Globo: E qual é a proposta?

Silvia Ramos: O objetivo do projeto é mudar a imagem que os jovens têm da policia, de violência e corrupção. E a imagem que os policiais têm dos jovens, de que todo negro e favelado é traficante. Existe muito preconceito.

 

O Globo: De que maneira isso é feito?

Silvia Ramos: nós criamos um projeto de invasão cultural e de arte nos batalhões de Polícia Militar. Temos oficinas de percussão, teatro, circo, grafite e dança de rua, dadas por jovens membros do AfreReggae.

 

O Globo: Por que o Projeto começou em Minas Gerais e não no Rio?

Silvia Ramos: Não foi possível fazer no Rio em 2003 porque as negociações com a Secretaria de Segurança não avançaram. É um projeto difícil e muito radical. Quando o José Junior foi a Belo Horizonte lançar o livro “Elemento Suspeito”, o Secretário de Defesa Social de Minas Gerais se interessou pelo programa. Começamos em 2004 o projeto piloto com o apoio da secretaria e do comando da Policia Militar de Minas.

 

O Globo: Quais as empresas ou entidades que apóiam essa iniciativa?

Silvia Ramos: A Fundação Ford apoiou o projeto com US$ 85 mil. No segundo ano, foi a Cemig, com recursos de R$ 280 mil. É um projeto caro, porque inclui shows, passagens, hospedagem e locomoção das equipes. O CESeC faz o monitoramento e a avaliação, mas a realização é do AfroReggae.

 

O Globo: Como foi o primeiro ano do programa em Minas?

Silvia Ramos: O projeto foi realizado em quatro etapas. Levamos os garotos do AfroReggae para dentro de dois batalhões da Policia Militar. Participaram cerca de 70 policiais a cada semana, num total de aproximadamente 200. Criamos um núcleo fixo de 20 PMs, que se especializaram em percussão. Mas também fizemos oficinas de vídeo, teatro, grafite e circo. No final, foram feitos dois grandes shows, com o AfroReggae, artistas famosos e bandas locais. E os policiais tiveram que apresentar um número. O projeto tem um produto final. Isso cria um espírito de grupo forte, de integração.

 

O Globo: Houve estranhamento dos jovens e dos policiais?

Silvia Ramos: Toda vez que a gente entrava num batalhão havia estranhamento das duas partes. Por isso é que dizemos que esse projeto é uma via de mão dupla, para que os PMs revejam o estereótipo de que todo garoto de favela é traficante, e os jovens repensem a imagem de que todo policial é violento e corrupto.

 

O Globo: E como foi o treinamento dos jovens? Eles queriam trabalhar com policiais?

Silvia Ramos: Eles não aceitavam trabalhar com PMs. Fizemos workshops. Eu dei aulas sobre violência policial. Treinamos 25 jovens em 2004 e mais dez ano passado. Mas havia muita resistência, ressentimento e ódio dos instrutores. Cada um tinha uma história pior para contar sobre violência policial. Mas, quando os tambores começaram a toca, eles se entenderam. No final, jovens e policiais não queriam se despedir, fizeram fortes amizades.

 

O Globo: Então, o resultado foi positivo…

Silvia Ramos: O olho no olho de jovens e policiais funcionou mais do que qualquer aula de direitos humanos que eu possa dar. Fiquei surpresa com a capacidade da metodologia, que utiliza arte e cultura e desloca estereótipos de preconceito. O projeto deu tão certo que o governo de Minas e a PM resolveram continuar ano passado.

 

O Globo: E o que foi feito em 2005?

Silvia Ramos: Capacitamos 25 oficiais em oficinas de teatro, grafite, basquete, percussão e dança de rua, para que depois eles fossem às favelas dar aula aos jovens carentes. Ficamos um mês nos batalhões. Depois, fomos às comunidades, onde passamos duas semanas. Também houve um choque grande. Eles se sentaram em roda no chão e fizeram um jogo da verdade. Os jovens perguntaram por que eram parados em blitz por serem negros e alguns disseram que odiavam a policia. Nos primeiros encontros, os PMs foram à paisana e depois, fardados. Teve cenas impressionantes. Um policial disse que era um monstro, porque há 20 anos ele fora treinado para isso.

 

O Globo: Qual é o balanço desta etapa do projeto?

Silvia Ramos: A invasão dos batalhões superou nossas expectativas no primeiro ano e o encontro dos PMs com os jovens das comunidades também. O projeto é polêmico. Um segmento da corporação acha errado ver um policial com uma lata de colorjet na mão e grafitando. Mas, como o governador Aécio Neves falou, estamos mostrando pela primeira vez o lado humano do policial. O que eu posso dizer é que quem faz as oficinas adora!

 

O Globo: O que falta para o Juventude e Polícia ser implantado no Rio?

Silvia Ramos: Estamos em negociações com a Secretaria de Segurança Pública do estado, a PM e a Policia Civil do Rio. A exibição do vídeo “Policia Mineira” no QG da PM teve uma repercussão muito boa. Mas não é fácil, porque este projeto é caro, precisa de patrocínio. O mais importante é que provamos que ele pode ser feito.

 

O Globo: Como surgiu o Projeto Juventude e Policia?

Silvia Ramos: Em 2002, o José Júnior, coordenador do AfroReggae, procurou o CESeC porque queria fazer um projeto com a policia. Já tínhamos trabalhado antes com o grupo. Fizemos levantamento de imagens para o clipe de “Tô bolado”, com cenas de violência policial. E entrevistamos jovens do AfroReggae para a pesquisa do livro “Elemento Suspeito”, perguntando a eles se já tinham sido parados na rua por policiais. Nossa intenção era descobrir como a policia tratava brancos e negros, jovens e velhos… Naquele ano, o músico Paulo Negueba tinha sido metralhado em Vigário Geral pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais). Tudo o que eu não esperava é que o Junior quisesse um projeto com polícia.

versao para impressão

Mais Entrevistas