Cedidos à Polícia Civil para trabalhar nas delegacias, eles acabam se envolvendo em milícias e extorsões
Por causa do déficit em seus quadros, a Polícia Civil, nos últimos anos, procurou reforço de pessoal nos quartéis dos bombeiros. Para especialistas, a convivência deles com maus policiais civis – cujos desvios de conduta sobrecarregam as corregedorias – pode estar por trás do aumento do número de bombeiros investigados por envolvimento com atividades criminosas, como a participação em grupos de milícia.
Investigações da Corregedoria Geral Unificada (CGU) revelam que, convocados para trabalhar em atividades administrativas, os bombeiros ganharam o apelido de “polícia paraguaia”, acabam sendo lotados em delegacias, inclusive especializadas, e vão para as ruas investigar crimes sem ter recebido qualquer treinamento.
Corpo de Bombeiros informa que expulsou 7 este ano
Segundo o Corpo de Bombeiros, no entanto, desde o início do ano não há mais homens cedidos oficialmente à Polícia Civil, atendendo a uma ordem do governador Sérgio Cabral. Nessa situação, estavam apenas 20 servidores. Informalmente, porém, o quadro pode ser bem diferente. Como revelou o assalto sofrido pelo empresário Marcelo Alves dos Santos, na Barra da Tijuca. Ele foi atacado por dois bombeiros, juntamente com uma terceira pessoa que seria um policial, todos vestidos com roupas de policiais federais, no dia 15 de agosto passado. O crime teria sido tramado pelo delegado aposentado Paulo Sérgio Cardoso Figueiredo, que foi preso, mas fugiu da carceragem da Polinter, em Campo Grande. À época, sem se identificar, testemunhas disseram que os dois eram conhecidos como policiais em Caxias e circulavam livremente na 59ª DP (Caxias), onde davam plantão e atendiam ao público.
De acordo com informações obtidas com seus associados, o Sindicato dos Policiais Civis afirma que ainda há bombeiros lotados em delegacias. Num levantamento feito no ano passado, o sindicato constatou a presença de mais de 400 homens, entre PMs e bombeiros, exercendo funções de policiais civis, a maioria a pedido de políticos.
A análise do número de bombeiros denunciados por desvios de conduta fica prejudicada pelo fato de eles sempre atuarem como coadjuvantes de policiais civis ou militares. No entanto, em 2005, a Corregedoria Geral Unificada (CGU) abriu 59 procedimentos contra bombeiros, passando para 60 em 2006. Em 2007, até agora, são 13. Mas os casos mais graves ficam com a corregedoria do próprio Corpo de Bombeiros, onde funcionam as comissões de inquérito que podem propor até a expulsão do militar.
Sem o costume de divulgar suas estatísticas, o Corpo de Bombeiros não forneceu a série de inquéritos abertos para apurar desvios de conduta. Apenas informou que, este ano, sete bombeiros foram expulsos da corporação. Quinze inquéritos policiais-militares (IPMs) foram abertos em quartéis, sendo apenas sete na corregedoria interna, num total de 22. As investigações apuram crimes como assalto, homicídio, agressão, estelionato, seqüestro, ameaça, porte de arma, tráfico e uso de entorpecente, formação de quadrilha e desacato.
O GLOBO teve acesso a alguns casos que geraram a abertura de sindicâncias. Num deles, denunciado em 2005, a vítima de um dos bombeiros, que teria exigido dinheiro dela dentro da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, chega a identificá-lo como policial civil. No curso das investigações, fica claro que se trata, na verdade, de um sargento do Corpo de Bombeiros lotado na delegacia. Ele foi acusado por um PM que disse ter sido tratado de forma grosseira e agressiva pelo bombeiro ao chegar em auxílio a uma ocorrência numa agência de automóveis. No local, havia uma pessoa detida por policiais do DRFC (Delegacia de Roubos e Furtos de Carga), onde o bombeiro estava lotado.
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio, Fernando Bandeira, condena a prática, já denunciada ao governador Sérgio Cabral, assim como a cessão indiscriminada de PMs para a Polícia Civil.
– Delegacia não apaga incêndio. Quem tem atribuição de fazer o papel de Polícia Judiciária é o policial civil, que deve ser valorizado. É claro que este tipo de prática vai gerar mais distorções – comenta Bandeira.
A presença de bombeiros exercendo a função de policiais civis também gera tensões dentro das delegacias. Prova disso é outra investigação, que começou em 2004, em que um bombeiro, aparentemente embriagado, discute com um policial civil na frente do então delegado titular da 53ª DP. A briga só não chegou às vias de fato porque outros policiais contiveram o bombeiro.
Corregedor diz que bombeiros são coadjuvantes
Ex-ouvidora de Polícia e diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, a socióloga Julita Lemgruber observa que casos de desvio de conduta de bombeiros são antigos, como o envolvimento deles, desde a década de 90, em empresas de vigilância e venda de produtos de combate a incêndio:
– Eu acho importante ressaltar que essa relação entre bombeiros e policiais, que em alguns momentos é promíscua, não é coisa nova. No início dos anos 90, por exemplo, ouvia-se falar de bombeiros envolvidos em esquemas relacionados com crime organizado. Certamente, é um grande equívoco pessoas que não têm formação para isso exercerem atividades policiais.
Titular da Corregedoria Geral Unificada, o desembargador Gustavo Leite explica que os relatórios do órgão ainda não refletem o crescimento de casos de desvios de conduta de bombeiros porque as denúncias mais graves só podem ser apuradas na Corregedoria do Corpo de Bombeiros.
– Em geral, os bombeiros têm uma participação coadjuvante nos crimes investigados, normalmente, como ajudantes de policiais civis – afirma o corregedor.
Este ano, até julho, a CGU instaurou 160 sindicâncias contra policiais civis, 25 contra PMs e 13 contra bombeiros. Antes restritos a acusações de roubo de objetos em áreas de acidentes, os bombeiros, hoje, respondem por denúncias mais graves, como extorsão, abuso de autoridade e ameaça.
Editoria: Rio
Edição: 2 Página: 31
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