Blogosfera muda a cara da polícia

Policiais usam a rede para discutir com colegas, ajudam a desmistificar profissão e aproximam população da PM

Um é soldado, o outro é aspirante-a-oficial, e o terceiro, tenente. Eles têm patentes diversas e são policiais em lugares diferentes do Brasil, mas têm uma coisa em comum: estão colocando a Polícia Militar de seus Estados na web 2.0.

No Rio de Janeiro, o tenente Alexandre de Sousa, 25 anos, é considerado um dos pioneiros na chamada blogosfera policial, fenômeno de que virou até um estudo apoiado pela Unesco.
Seu blog, o Diário de um PM, virou referência e inspirou dezenas de policiais a trilharem o caminho da internet para falar com os colegas, ser ouvidos pelo comando e se aproximar da população.

O Diário foi a principal inspiração para o aspirante-a-oficial baiano Danillo Ferreira, de 23 anos, criar o blog Abordagem Policial. Focado em discussões sobre segurança pública e sociedade, o blog foi criado pelos colegas na academia de polícia — hoje é apontado como leitura obrigatória no universo policial.
Já o goiano Robson Niedson, 27 anos, criou o Diário do Stive, um blog e agregador da blogosfera policial, e desenvolveu, ainda, o blog do comandante-geral da PM de Goiás, coronel Carlos Antônio Elias.

Os três policiais militares se conheceram pela internet e, em agosto desde ano, ajudaram mais de 30 outros policiais militares a construirem seus próprios blogs e perfis no Twitter e durante uma oficina na Conferência Nacional de Segurança, em Brasília.
“Foi quando a blogosfera policial se tornou um tema de terno e gravata para o Ministério da Justiça. Porque aquilo que podia parecer algo meio subversivo, coisa de gente da internet, virou uma das atividades oficiais da área de segurança pública”, explica Sílvia Ramos, socióloga e uma das responsáveis pela pesquisa da Unesco sobre o tema.

Alexandre: diário de um PM no Rio de Janeiro

Se hoje a blogosfera policial existe e tem relevância, o tenente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) Alexandre de Sousa, 25 anos, é um dos principais responsáveis. Ale de Sousa, como é conhecido na blogosfera, entrou para a polícia aos 20 anos, influenciado pelo pai, militar da Aeronáutica. E por que a polícia? “Matemática! Por sorte, ou ajuda divina, sou melhor em humanas”, diz.

Foi a partir do lançamento do livro A Elite da Tropa, em 2006, que ele percebeu o quanto o universo policial fascinava a sociedade. Dos blogs despretensiosos “que ninguém lia”, surgiu seu próprio Diário de um PM. “Tinha muita gente falando de polícia e segurança pública, mas poucos eram policiais. Queria contribuir, com a visão de alguém de dentro da corporação”. Na época, raríssimos policiais se aventuravam na web — opinar era correr risco de sanção. “Os comandantes não sabiam o que era blog”, conta.

O policial-blogueiro vive no quartel-general da PM do Rio. Bloga quando pode. Diz que desde que começou a trabalhar no Centro de Comunicação e Informática (CCI) da PM não atualiza o blog. “A gente está trabalhando além da conta”, ri, se lembrando da responsabilidade: “Estamos tomando decisões importantes que vão ter um resultado de longo prazo”.

Para ele, a entrada da polícia na era 2.0 é irreversível e acompanha a tendência dos novos tempos. “Quem está entrando nos concursos agora já está familiarizado com essas ferramentas. Daqui a pouco, essa geração dos blogueiros vai estar assumindo os comandos”, diz.

O Diário de um PM foi o pioneiro. Do blog surgiram outras demandas: o PM Tube, site com uma seleção de vídeos policiais, e a rede social Aspiras, com quase seis mil cadastrados. “Comecei a colocar informações sobre os concursos e criei uma comunidade dos candidatos”, conta o PM.

 

Danillo: quando um nerd entra para polícia

Quando prestou o concurso para a PM da Bahia, aos 20 anos, Danillo Ferreira não sabia bem o que lhe aguardava. “Caí de paraquedas.” Na academia de polícia, as discussões sobre segurança pública ultrapassavam a sala de aula e ganharam o ambiente online com o blog Abordagem Policial.

“Percebemos que policiais não tinham fonte de informações para se posicionar”, conta Ferreira. Ele e os colegas estenderam a cobertura, com seções de estratégia e concursos, além da coluna do leitor, “para não acontecer com os outros o que aconteceu comigo, de entrar na polícia sem saber como é”.

Por sorte ou vocação, Ferreira se afeiçoou à profissão. Hoje, como aspirante-a-oficial, faz a coordenação do policiamento da cidade. Atualiza o blog em casa, à noite, e durante o dia twitta — e muito — pelo celular. Comenta notícias, divulga assuntos relativos a segurança pública e, de quando em quando, solta um “twittando do banco da viatura”. “É interessante que as pessoas vejam os bastidores.”

Danillo hoje coordena o policiamento e ajuda a definir o horário das rondas. “Na área em que atuo tenho que estar sempre de olho na mídia”, diz ele, que usa também a web 2.0 para se informar. “Em um comentário pode vir uma denúncia, alguém dizendo que o policiamento em tal bairro está ruim.” Para ele, o ideal seria que cada unidade da polícia tivesse um blog para se aproximar da população. Agora, assim como aconteceu com seus colegas, Danillo se prepara para mais uma missão: foi chamado para criar o blog do comandante-geral na Bahia.

Além do Abordagem, Ferreira tem o blog Café do Dom, sobre literatura e filosofia, e se prepara para lançar o Cine 190, em que comentará filmes policiais sob a ótica de um policial militar. “Tem muita gente especialista em cinema que não conhece a atividade policial”, justifica.
Robson: o soldado que levou o blog ao comando

O goiano Robson Niedson era professor de informática quando virou policial, em 2003, levado por estabilidade, salário e incentivo da família. Programador, já na PM criou o Blog do Stive (apelido comum entre PMs em alguns Estados).

Blogueiro escolado, foi ele quem sugeriu ao comandante-geral da PM de Goiás, coronel Carlos Antônio Elias, a criação de um blog. Sua proximidade com o comando surpreendeu as pesquisadoras Anabela Paiva e Sílvia Ramos, que contaram com o seu apoio na pesquisa da Unesco. Elas tentavam montar uma mesa com policiais blogueiros para o Fórum de Segurança, realizado em abril em Vitória (ES), quando oficiais cariocas foram proibidos de ir pelo comando. Alguém sugeriu Niedson. Sílvia perguntou para ele: “Mas no Rio o comando proibiu oficiais de ir, você é soldado, quem me garante que você vai poder ir?”. O goiano respondeu: “Olha, eu criei o blog do comandante-geral, acho que ele não vai se opor”.
Agora, todas as unidades da PM de Goiás terão blogs para registrar ocorrências e documentar os fatos — e quem dará os cursos será o soldado Niedson. “Ministrar as aulas seria impossível, pois sou um soldado. Para dar um curso, teria que ser superior a mim”, conta.

Os comandos também terão contas no Twitter, criadas pelo programador-policial. As ferramentas servirão para os comandos se comunicarem com a tropa e com a população em suas regiões. Para Niedson, essa blogosfera ajuda a mudar a imagem da polícia. “Você sabe, há lugares em que a PM desperta mais medo do que sensação de proteção.

Niedson é um dos responsáveis pela união em torno da blogosfera policial. Hoje, o Blog do Stive, além de blog, é um agregador de blogs policiais. O PM também mantém um podcast e cuida do portal Blogosfera Policial, que tem até camiseta. Niedson também tem um blog pessoal sobre tecnologia e entretenimento.

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