RIO – Falsas informações dadas por policiais emperram investigações sobre mortes de inocentes em confrontos no Rio. É o que mostra reportagem de Antônio Werneck, publicada pelo jornal “O Globo” em 17 de agosto. Segundo a reportagem, ao chegar à delegacia, os policiais costumam informar que as vítimas eram ligadas ao tráfico, mesmo quando elas sequer têm antecedentes criminais.
A reportagem lembra o caso do estudante Hanry Silva Gomes de Siqueira, de 16 anos. Morto por PMs no Lins durante suposta troca de tiros em 2002, ele foi tratado como traficante. Ninguém investigou. O caso acabaria arquivado como tantos outros, não fosse a coragem da mãe do jovem, a dona-de-casa Márcia de Oliveira Jacinto.
Decidida a provar que o filho era inocente, ela levou dois anos investigando o crime e mais quatro pedindo justiça. Entrou de cabeça erguida no Tribunal de Justiça depois de desvendar a farsa: os dois PMs que mataram o estudante e simularam um tiroteio começaram a ser julgados por homicídio qualificado.
Longe de ser exceção, histórias como a de Hanry acontecem em todo o estado e estão nos registros de autos de resistência, sobretudo em favelas. A morte em confronto é tratada como legítima defesa no registro policial, mesmo quando as circunstâncias apontam o contrário.
De janeiro de 2006 a abril deste ano, 2.895 pessoas morreram supostamente enfrentando a polícia no estado, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) – uma média de três mortos por dia. Este ano, de janeiro a abril, foram 492 casos – quatro mortos por dia ou um a cada seis horas.
Oito PMs mataram 23 este ano na Penha
Outra reportagem de Antônio Werneck mostra que nos quatro primeiros meses deste ano, um seleto grupo de oito policiais militares do 16ºBPM (Olaria) foi o responsável pela morte em confronto de 23 pessoas na área da 22ª DP (Penha). Das seis vítimas que “O Globo” conseguiu identificar, apenas uma – Michel Bruno Quintanilha Pereira – tinha antecedentes criminais. Cinco não tinham passagem pela polícia.
Um dos policiais, o soldado Emerson Morati, participou diretamente da morte de oito pessoas em supostos confrontos. Nenhuma delas tinha antecedentes. O PM Morati foi preso há cinco anos acusado de suposto envolvimento com o tráfico de drogas. Na época, o policial militar era lotado no 22º BPM (Maré), batalhão responsável pelo policiamento de uma região que abriga o Complexo da Maré, formado por 11 favelas.
Emerson foi preso por determinação do juiz da 34ª Vara Criminal, Cairo Ítalo, que decretou a prisão preventiva dele e de mais 14 PMs: um oficial e 13 praças, todos na época lotados no 22º BPM. Segundo a decisão que fundamentou a medida, os 15 policiais teriam sido flagrados, por meio de escuta telefônica, negociando drogas e armas com o traficante José Roberto Pinto da Costa, o Capixaba. O bandido também acabou preso.
Outro que aparece no mesmo grupo, o cabo Efigênio Soares Carvalho, participou da morte de quatro pessoas em três supostos confrontos. Efigênio, em 2004, foi homenageado e condecorado por bravura pelo então comandante-geral da PM, coronel Hudson de Aguiar. Lotado naquela ocasião no 19º BPM (Copacabana) ele teria escapado da morte ao tentar salvar um casal de turistas da ação de três assaltantes em Copacabana.
Nos 12 registros de morte em confronto analisados pelo “Globo”. e que foram registrados na 22ª DP, oito PMs tiveram participação direta. Os inquéritos, entretanto, não chegaram ao Tribunal de Justiça apesar dos indícios de execução. Sete deles ficaram pelo caminho: o Ministério Público estadual resolveu devolvê-los à polícia, pedindo investigações mais rigorosas.
Para socióloga, confronto não reduz crimes
A política de enfrentamento adotada pela polícia no Rio, responsável pelo aumento do número de pessoas mortas em confrontos, é contestada pela socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes. Na opinião de Julita, as ações da polícia não contribuíram para a diminuição da violência. Ela cita o aumento do número de roubos no estado. No ano passado, a taxa foi de 875,5 casos para cada cem mil habitantes. Em 2006, tinha sido de 801,4. A socióloga lembrou que em São Paulo, onde a polícia mata cada vez menos, a taxa foi de 693,4 em 2007.
– As diferenças entre o Rio e São Paulo mostram que os paulistas, ao longo dos anos, deram continuidade à política de segurança. No Rio, isso não aconteceu: cada governo que entrou não considerou o que seu antecessor estava fazendo e mudou tudo. Em São Paulo, em todos esses anos, eles mantiveram a mesma linha e estão colhendo os frutos. Foram mais competentes – disse Julita.
Para Julita, é preciso que o governo combata os excessos da polícia para evitar o crescente número de vítimas civis em confrontos.
– No Rio, na capital, apenas 2% a 4% dos homicídios são esclarecidos. Na capital paulista, a taxa de esclarecimento é de 60%. E essa vitória foi à custa de muito investimento. O Departamento de Homicídios tem 600 investigadores – afirmou a socióloga.