As desigualdades sociais entre as favelas

Nem só entre a favela e o asfalto está a fronteira das diferenças no Rio. Uma pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) em nove comunidades contempladas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) mostra que elas possuem entre si mesmas uma considerável distância em indicadores sociais, econômicos e de infraestrutura. No topo do levantamento, o Pavão-Pavãozinho, na Zona Sul, possui, por exemplo, uma renda média per capita de R$ 691,30 mensais. Por outro lado, a renda na Providência não passa de R$ 439,10 (36,5% menor). No Batam, na Zona Oeste, é de 406,10 (41% menor). Na Região Metropolitana, a média é de R$ 905,50.

Cidade de Deus é a segunda com melhores índices

O levantamento foi feito entre junho e agosto deste ano. Foram realizadas 8.788 entrevistas domiciliares em nove favelas que receberam UPPs: além de Batam, Providência e Pavão-Pavãozinho, a pesquisa passou por Babilônia; Cantagalo; Chapéu Mangueira; Cidade de Deus; Ladeira dos Tabajaras e Santa Marta. De 35 itens analisados, o Pavão-Pavãozinho teve melhor desempenho em dez. Em segundo lugar, ficou a Cidade de Deus, com oito. Já o Batam teve 15 piores índices, seguido pela Providência, com seis. A favela do Centro, a primeira do Rio, não conseguiu estar na frente em nenhum indicador.

— Há favelas que têm dentro delas áreas muito pobres, puxam os indicadores para baixo. Na Providência, por exemplo, há a chamada Pedra Lisa. Outro problema é a região onde ela está situada, numa área do Centro bastante degradada, que oferece poucas oportunidades. Já o Batam fica inserido na Zona Oeste,

numa parte empobrecida da cidade, em frente à outra favela, a do Fumacê. Falta tudo: comércio, lazer… Também há uma ocupação recente, de extrema pobreza, com casas feitas até com placas de outdoor

— comenta a subsecretária estadual de Ações Integradas no Território, Silvia Ramos, uma das responsáveis pelo projeto UPP Social, criado para levar ações de desenvolvimento às comunidades.

Desemprego no Batam é de quase 20%

De acordo com Sílvia, da mesma forma que o entorno prejudica o Batam e a Providência, favorece favelas da Zona Sul, como o Pavão-Pavãozinho. As comunidades da região ficaram com 25 dos 35 melhores índices analisados pela Firjan. Se a taxa de desemprego entre a população economicamente ativa no Chapéu Mangueira ficou em 4,6% e no Pavão-Pavãozinho em 5%, no Batam, foi de 19,7%. E na Providência, de 10,5%.

Apesar de ter ganhado o mundo como um símbolo de pobreza e violência nas telas do cinema, a Cidade de Deus apareceu na pesquisa como a terceira comunidade com maior média de renda per capita (R$ 648,40). Dos oito itens pesquisados em que ficou à frente no levantamento, quatro referem-se à cidadania:

maior porcentagem de pessoas com carteira de identidade (98,4%); carteira de trabalho (97,4%); CPF (98,5%); e título de eleitor (97,7%).

Outro destaque na Cidade de Deus foi o item educação. A comunidade dividiu com o Chapéu Mangueira a melhor média de anos de estudo de pessoas acima de 25 anos: 7,4. O número ainda fica abaixo da Região Metropolitana, com 8,6. A Cidade de Deus também teve a menor porcentagem de analfabetos funcionais (pessoas acima de 25 anos com até três anos de estudo): 16,4%. Na Região Metropolitana, o índice é de 14,2%. Na Providência, é de nada menos do que 32,3%: ou seja, praticamente um em cada três adultos estão enquadrados nessa categoria.

A pesquisa feita pela Firjan faz parte de uma série de iniciativas feitas pela entidade em favelas que possuem UPPs. Desde agosto, através do projeto Sesi Cidadania, já foram beneficiadas 10.600 pessoas

em dez comunidades. São oferecidas oportunidades nas áreas de cultura, esporte e educação. No Morro da Providência, uma das matriculadas em dois cursos — ensino médio e karatê — é Raimunda Wanderlina, de 58 anos, mais conhecida como dona Wanda.

Há mais de 30 anos na favela, ela admite que já participou do tráfico na comunidade e perdeu dois filhos: um assassinado e outro viciado em drogas.

— A gente mora numa favela que sempre foi esquecida, por isso há muitas pessoas desacreditadas. Pela primeira vez, estamos tendo oportunidades — afirma dona Wanda.

Apesar de já desenvolver o Sesi Cidadania desde agosto, a Firjan espera, a partir da conclusão da pesquisa, conseguir focar ainda mais as suas ações de acordo com as necessidades de cada favela atendida.

Outro objetivo do levantamento é apoiar os órgãos públicos em suas ações. Mesmo em favelas da Zona Sul, foram detectados problemas crônicos de infraestrutura. No Cantagalo, por exemplo, 83,2% dos moradores informaram, que apesar de haver canalização, “a água só cai duas vezes na semana”.

— Precisamos consolidar as UPPs com todos os serviços que temos no asfalto. É a única forma de juntarmos a cidade partida. Se o poder público não for célere e não houver o envolvimento de toda a sociedade, os bandidos podem retomar o território — diz o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira.

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