Como se sabe, a pesquisa em segurança pública e criminalidade no país é muito nova para um país que nasceu há 510 anos marcado sob a égide dos conflitos violentos. O colonizador branco tomou o território que pertencia aos índios e, como não conseguiu escravizá-los, trouxe os negros cativos da África e os manteve em cativeiro, como animais perigosos, e sob violenta opressão por quase quatro séculos. Só na década de 70 a pesquisa acadêmica brasileira desperta para a questão da criminalidade. Agora toda universidade que se preza tem um núcleo de estudos de crime e violência. O assunto é tema de debates e de estudos científicos. E, finalmente, chega às salas de aula de centros de difusão do conhecimento, como é a Casa do Saber – na Avenida Epitácio Pessoa, em Ipanema, por onde já passaram, em cinco anos, 15 mil alunos por cursos extracurriculares, palestras, conferências e painéis de debate.
Na divulgação das atividades da Casa do Saber, a jornalista Patrícia Paladino, estimada amiga dos tempos do saudoso JB, me ligou para falar de um novo curso – “Violência e Polícia no Rio: o que está mudando”, por Silvia Ramos, e participação da pesquisadora e jornalista Anabela Paiva, da capitã Priscila – chefe da pioneira UPP do Dona Marta – e Schneider, ex-traficante de drogas, hoje atuando no grupo cultural AfroReggae. O curso – que terá quatro aulas a partir de 10 de agosto – pretende abordar o tema da violência no Rio, a participação da mídia e também a nova política de pacificação nas favelas e suas consequências. Patrícia me cedeu gentilmente uma entrevista que fez com a Silvia, que hoje assessora o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Ricardo Henriques.
PATRÍCIA: Se fôssemos graduar o índice de violência na cidade do Rio de 1 a 10, em que grau estamos hoje?
SÍLVIA RAMOS: O Brasil é o 6º país do mundo com a maior taxa de homicídios. Quando olhamos os homicídios só de jovens, o Brasil salta para uma posição ainda pior, o 5º lugar. O Rio durante anos liderou a lista do pior estado em número de homicídios, mas há três ou quatro anos, Alagoas, Pernambuco e Espírito Santo passaram na frente. Mesmo assim, o Rio ainda é um caso grave no contexto gravíssimo do Brasil
PATRÍCIA: Qual a principal diferença entre a violência carioca e a de outras capitais brasileiras? Ou seja: o que é a violência “tipicamente carioca”?
SILVIA RAMOS: Pior do que o ranking de um dos estados com a maior taxa de violência num país que é o sexto mais violento do mundo, o Rio, e especialmente a cidade do Rio de Janeiro, sofre de um problema específico, o controle de território por grupos ilegais armados. Gangues de traficantes e milicianos passaram a dominar partes consideráveis da cidade e tornaram essas áreas locais onde o estado não entra e não tem poder de mando. A polícia é recebida a tiros e muito frequentemente o dilema é: ou não fazer nada (e deixar essas populações nas mãos de bandidos) ou dar combate a esses grupos deixando a população no meio de tiroteios arriscados e infrutíferos, porque logo depois os grupos armados voltam e com mais força. Nos últimos 25 anos, as políticas de segurança só conseguiram acentuar essa tendência e o Rio se tornou um caso “sem saída”: imagens impressionantes de áreas ricas da cidade sob tiroteios, caveirões e a população subjugada se repetiram e correram o mundo. Até que em 2009 teve início a experiência das UPPs.
PATRÍCIA: Nesta mesma gestão do governo estadual, já houve a política do enfrentamento. Hoje há a política da pacificação (das favelas). Qual dos dois modelos é o mais eficaz – ou ainda há uma terceira via?
SÍLVIA: Não há saída possível senão mudar a própria polícia. As UPPs são a prova de que sem policiamento comunitário, honesto, profissional e no qual a população confie, não há saída.
PATRÍCIA: Por falar nisso, as UPPs são a solução definitiva para acabar com o tráfico de drogas nas favelas? É pertinente a afirmação de que acabando o tráfico a violência no asfalto aumentará muito, voltando-se para outros tipos de crimes?
SÍLVIA: Não é isto que temos visto: o policiamento comunitário nas favelas não tem aumentado os crimes no “asfalto”. Pelo contrário, as quadrilhas de traficantes se dissolvem, o núcleo duro das bocas de fumo se desloca para outras áreas e muitos jovens que estavam em torno da boca procuram alternativas. O desafio novo do Rio é produzir essas alternativas. O desafio policial é ampliar as áreas com UPPs e retomar as áreas controladas por bandidos. Para a cidade, trata-se de iniciar um processo nunca antes experimentado, de integrar as favelas à cidade.
PATRÍCIA: No seu curso haverá uma aula com a participação de Schneider, egresso do tráfico de drogas. Qual a trajetória do Schneider, da criminalidade e depois ao sair dela? E qual sua expectativa para esta aula?
SÍLVIA: O AfroReggae é um grupo que tem se preocupado em produzir alternativas para jovens que saem do crime. Schneider vai contar a história dele para que os alunos possam conhecer de perto – não apenas teoricamente, mas na vida real – o percurso de uma pessoa que estava prestes a sair da cadeia e voltar para os grupos armados e acertar contas entre facções e que foi seduzido por uma alternativa muito mais emocionante do que a de trocar tiros e disputar o poder no crime. Nosso desafio é fazer o que o Afroreggae faz, mas em escala.