Ocupação do Complexo da Maré divide especialistas em segurança

Para uns, pedido de ajuda federal é declaração de incapacidade da polícia, enquanto outros acreditam em demonstração de força.

RIO — O pedido de ajuda do estado ao governo federal para a ocupação do Complexo da Maré, depois de uma série de ataques a Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), é, por um lado, analisado como uma declaração pública de incapacidade das forças policiais do Rio diante da criminalidade e, por outro, como uma demonstração de força no combate ao narcotráfico. A cientista social Sílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes, é crítica em relação ao auxílio, e diz que, após quase seis anos das UPPs, a população esperava que o emprego das Forças Armadas não fosse mais necessário.

— O emprego das Forças Armadas lembra muito momentos muito ruins da vida da cidade. A Eco-92 e a Operação Rio, em 94 (quando o Exército ocupou favelas da cidade), são momentos que lembram a cidade na sua impotência diante da criminalidade. É como se não tivéssemos feito o que precisa ser feito e chega o momento de chamar força externa. É muito ruim e decepcionante depois de quase seis anos de UPP. O que se esperava era que o Rio de Janeiro tivesse, pelo menos, controlado o problema da criminalidade de modo que as Forças Armadas não fossem mais necessárias — diz Sílvia.

A cientista social afirma que a atuação das Forças Armadas na cidade é muito limitada. Na opinião da especialista, ela se restringe, basicamente, a transmitir uma sensação de segurança para a população, dentro de um prazo de validade.

— As Forças Armadas ficam em pé na esquina, transmitem a sensação de que área está policiada, de que não está abandonada, como num teatro de visibilidade. Um mês parado ali e as condições de segurança não se alteram, e a função vai se deteriorando. Porque as Forças armadas não têm poder de polícia, não têm a capacidade da polícia de investigar, nem de estabelecer uma relação de confiança com os moradores. É o oposto da lógica do policiamento comunitário — comenta a cientista social.

O coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da PM de São Paulo, identifica problemas nessa cooperação. Um deles é o atestado do governo do Rio de que não confia na capacidade das suas polícias, o que, às vésperas da Copa do Mundo, deve repercutir fora do Brasil negativamente.

— Um dos erros é que o Governo do Estado mostra que não confia na capacidade do seu aparato de segurança e acaba valorizando, ao pedir essa estrutura de força, as lideranças criminosas. São ataques isolados. Não tivemos nem meia dúzia de ataques graves, o que não justifica esse tipo de ação — afirma o coronel.

Ele ressalta também que as Forças Armadas não têm preparo para atuar dentro de uma comunidade como a Maré:

— O Exército não tem preparo nem experiência para lidar na maneira como está sendo colocado. Eles não conhecem o ambiente nem a situação dentro da comunidade, infiltrada de criminosos, que se confundem com a população para fazer ataques.

Para o ex-secretário Nacional de Segurança, o pedido de ajuda de tropas federais, incomum num país democrático, caberia no caso de uma grave quebra da ordem pública.

— As Forças Armadas têm mais condições de patrulhamento quando, por exemplo, a policia está em greve. É uma situação em que os militares têm que ir para a rua porque o aparato de segurança está completamente desarticulado. Isso não é para o crime comum — afirma.

Já Milton Corrêa da Costa, tenente-coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro, vê a ação federal no Rio como um duro golpe na organização criminosa que comanda o tráfico na Maré.

— Tanto é necessária quanto providencial e estratégica. É uma demonstração de força do poder público, com medida legal de grande impacto, em local estratégico para o tráfico. A Maré está na rota de passagem para o aeroporto internacional, para outras regiões do Rio de Janeiro e também outros estados. A Rocinha era o centro financeiro da venda de cocaína enquanto o Alemão o reduto bélico. A Maré é estratégica pela localização — afirma o tenente-coronel.

Na opinião dele, as tropas já receberam o treinamento necessário para esse tipo de atuação durante a ocupação do Complexo do Alemão. O tenente-coronel, antes do anúncio do governador Sérgio Cabral, acreditava que o Alemão também receberia os militares.

— Os militares cumprirão missão constitucional, ainda que de exceção, para garantir a lei e a ordem, com pedido do governador — completa.

O sociólogo Ignácio Cano, professor e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, diz que a ajuda das tropas federais na Maré está associada à Copa do Mundo pelo fato de a comunidade estar localizada num ponto estratégico de chegada e saída do Rio. O complexo fica próximo à Avenida Brasil e é cortado pela Linha Vermelha, por onde passa quem se dirige ao Aeroporto Internacional Tom Jobim.

— Com a Copa e em ano eleitoral não iam deixar a Maré como está. Mas o fato de pedirem ajuda federal, com as UPPs já há algum tempo implantadas, mostra que a situação não correu bem. Se as coisas tivessem corrido bem, agora teríamos várias UPPs na Maré e essa possibilidade não se apresentaria — diz o especialista, acrescentando que um dos motivos que levou a não implantação da UPP na Maré foram os problemas enfrentados pela polícia no Complexo do Alemão, mesmo depois da pacificação.

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