Com Claudio Beato, Ignacio Cano, Julita Lemgruber, José Luiz Ratton, Carolina Ricardo, Melina Risso, Robson Rodrigues, Renato Sérgio de Lima e Ilona Szabó de Carvalho*
O futuro das políticas para o desenvolvimento global será intensamente debatido em Nova York nos próximos meses. Governos de 193 países já começaram a negociar a forma e o conteúdo dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). As novas metas substituirão os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que expiram em 2015. A maioria dos diplomatas concorda com a importância de incluir as prioridades de desenvolvimento nos futuros ODS, com destaque para o fim da pobreza e da fome, a garantia de uma vida saudável e educação de qualidade, além de acesso à água e energia. Muitos diplomatas também sustentam que a paz, a segurança e a justiça, ainda que polêmicas e difíceis de serem medidas, merecem reconhecimento explícito entre as prioridades do desenvolvimento.
Os ODS vão muito além da busca pelo consenso diplomático. A partir do próximo ano, eles servirão como um roteiro para o desenvolvimento em todo o mundo, inclusive nos países mais pobres. Assim como os bem sucedidos ODM, os ODS incentivarão governos a estabelecer parâmetros para o futuro, a monitorar o progresso e a fornecer importantes sinais sobre a saúde do nosso planeta. Eles são absolutamente fundamentais. E, no entanto, os ODS ficarão comprometidos se não incluírem alguns dos desafios mais complexos para o desenvolvimento, como a violência, a injustiça e a corrupção.
A maioria dos governos está engajada na renovação e na melhoria de uma agenda de desenvolvimento global que coloque a segurança, as prerrogativas legais e os direitos fundamentais dos indivíduos em seu centro. Durante os debates no âmbito da ONU, a maioria dos representantes dos Estados membros argumentou a favor da inclusão da paz e da justiça enquanto objetivos, junto com metas de redução de mortes violentas, fim dos abusos contra crianças, promoção do acesso à justiça, prevenção da corrupção e aumento da transparência. Eles estão determinados a alcançar as bilhões de vítimas da violência das guerras e das atividades criminais, estejam elas em países ricos ou pobres.
Há um bom motivo para esta preocupação. A violência inibe os investimentos e prejudica a vida das pessoas. Países que registram taxas de violência acima da média global também verificam reduções em seu PIB. Por esta razão, incluir segurança, justiça e governança nos ODS seria uma contribuição fundamental ao desenvolvimento global. Pesquisas demonstram que a violência letal não é apenas um fator de risco secundário na reprodução da pobreza, no declínio das taxas de matrícula escolar e na redução da produtividade – ela é, em muitos casos, a causa significativa.
Mas nem todos os Estados compartilham esta posição. Há alguns países, que incluem pesos pesados como o Brasil, China, Índia e Rússia, que enxergam de forma diferente da maioria. Eles nem sempre assumem posições influenciadas por comprovações empíricas e acreditam que uma abordagem para além das prioridades centrais do desenvolvimento seria uma distração sem grandes utilidades. O Brasil é um importante ator nos debates sobre a agenda pós-2015. O país sediou a conferência Rio +20, em 2012, durante a qual os governos ali reunidos se comprometeram a assegurar, entre outras coisas, que a redução da pobreza, a inclusão social e a proteção ambiental se mantivessem no centro do debate. Embora tais objetivos sejam absolutamente necessários, eles não são suficientes.
Há bons motivos para o Brasil e outros países ampliarem a sua abordagem em relação ao ODS. Para começar, estes países sabem, por experiência própria, que o desenvolvimento inclusivo depende da garantia do direito a uma vida livre do medo e com ampla possibilidade de escolhas. Tais liberdades não estão restritas a uma parte do mundo e devem ser partilhadas por todas as pessoas, em todos os lugares. A garantia dessas liberdades requer a garantia da proteção física e social das pessoas; de si mesma, de sua propriedade e de seus direitos. O governo brasileiro – sobretudo no nível das suas 26 unidades federativas e o Distrito Federal – tem experiência direta com investimentos direcionados para segurança e justiça e em como eles podem gerar frutos positivos para o desenvolvimento.
Os dados do Brasil revelam que, embora políticas sociais bem sucedidas, como o Bolsa Família, possam reduzir a violência, os investimentos em desenvolvimento por si só não são suficientes. Neste sentido, muitos países da América Latina que se comprometeram com a redução da pobreza, com o crescimento inclusivo e com a ampliação do acesso à saúde e à educação continuam a testemunhar um aumento de homicídios e crimes. O Brasil retirou, com sucesso, milhões de pessoas da pobreza extrema na última década e, no entanto, mais de 556 mil pessoas foram assassinadas de maneira violenta desde o lançamento dos ODM, em 2000. Hoje, são muitos os que reconhecem que vale a pena lutar por uma agenda centrada no indivíduo e que valorize a segurança e o empoderamento jurídico.
Não obstante o crescente apoio para ODS que considerem questões de segurança, justiça e governança, o desafio agora é transformar palavras em ações. Especialistas brasileiros em segurança pública e justiça clamam por uma agenda de desenvolvimento que inclua tais prioridades. E quais seriam os resultados do objetivo e suas metas? Inicialmente, eles permitiram a redistribuição de recursos para a prevenção da violência, incluindo programas baseados em evidências e voltados para a redução de homicídios e proteção de jovens em situação de risco social. Eles também poderiam expandir o acesso à informação, à identidade legal, à participação legal, à proteção do Estado de Direito e um tratamento equitativo a todos os cidadãos.
O governo brasileiro e seus aliados podem criar uma agenda progressista que coloque no centro do debate a segurança e o desenvolvimento dos mais pobres. Afinal, a segurança física e real, o acesso à justiça e a boa governança são importantes por si sós. E quando os ODS permitirem a conquista de tais objetivos, eles contribuirão de maneira positiva para a redução da pobreza e da desigualdade no Brasil e no mundo.
* Para mais informações sobre como especialistas e organizações brasileiras de segurança pública, justiça e governança têm contribuído para o debate sobre o desenvolvimento pós-2015, veja a carta conjunta lançada em julho de 2014 (português e inglês).