As mulheres estão nas ruas para anunciar o novo. Em apoio ao movimento #AgoraÉQueSãoElas, hoje este espaço é da socióloga Julita Lemgruber.
“O episódio recente de uma mulher presa no Talavera Bruce, penitenciária do Rio, que deu à luz numa cela de castigo, revela o descaso com que é tratada a gravidez de mulheres privadas da liberdade no Brasil. Mesmo com os gritos de outras presas, ninguém da administração se moveu. Ela entrou em trabalho de parto, deu à luz e saiu da cela com seu bebê, cordão umbilical ainda pendurado.
Partos em celas de cadeia são comuns em todo o país, marcado por prisões que trituram seres humanos e reproduzem a violência. Onde pessoas cumprem pena porque infringiram a lei, mas a lei é ignorada cotidianamente. Locais onde impera a violência institucional nas suas formas mais bárbaras.
Desde a publicação do meu livro ‘Cemitério dos Vivos’, estudo de uma prisão feminina, passaram-se 32 anos. De lá para cá visitei diversas prisões e constatei que, se algo mudou, foi para pior. Mulheres vêm sendo presas em ritmo duas vezes mais acelerado que os homens e as condições de encarceramento se deterioraram assustadoramente. Num país com mais de 600 mil presos, quarta maior população carcerária do mundo, cerca de 40 mil são mulheres. Sem atendimento às suas necessidades mais básicas, nas prisões femininas falta tudo. Pasmem: em várias cadeias do Brasil, mulheres usam miolo de pão como absorvente higiênico!
Segundo dados do Depen, 25% dos presos no Brasil respondem por tráfico de drogas, mas esse percentual é de 63% entre as mulheres. A maioria delas foi presa com pequenas quantidades de drogas e não cometeu violência. Muitas são chefes de família, únicas responsáveis pela manutenção da casa e dos filhos.
Neste momento mulheres tomam as ruas para defender direitos ameaçados por parlamentares que não nos representam. É um momento especial para debatermos a situação das presas no Brasil. Para que a nossa presidente –que já foi presa– indique que se preocupa com o tema, o próximo indulto natalino deveria incluir mulheres que cometeram crimes sem violência, inclusive aquelas acusadas de tráfico de drogas. Sobretudo as gestantes e as que têm filhos menores de idade.
Não resolveria o problema, mas ao menos sinalizaria que queremos deixar de ser um país de bárbaros, que trata seus presos de forma mais cruel do que os crimes que a maioria deles cometeu. O episódio no Talavera Bruce poderia tornar-se símbolo de um Brasil a ser superado –o mesmo Brasil dos parlamentares que, dizendo-se defensores da vida, aprovam leis contra a vida, a saúde e a liberdade das mulheres.”