De cada quatro réus acusados de envolvimento com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, três ficaram presos provisoriamente enquanto aguardavam julgamento em 2013. Apenas 45% foram condenados a pena de prisão. Os dados fazem parte da terceira etapa de um estudo sobre presos provisórios divulgado hoje (14) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Cerca de 97% desses presos não contavam com nenhuma assistência jurídica no momento em que o auto de flagrante foi lavrado na delegacia.
O estudo examinou todos os 1.330 casos de pessoas presas em flagrante e acusadas de tráfico de drogas no Fórum da Comarca da capital. Em mais da metade dos casos – 671 (55%) – os réus permaneceram presos indevidamente por uma média de sete meses e custaram R$ 8 milhões aos cofres públicos.
A pesquisa ressalta ainda que, enquanto o Estado gasta cerca de R$1,7 mil por preso, menos da metade desse valor é investido no ensino fundamental no estado.
“O dinheiro gasto com as prisões poderia custear mais de 15 mil alunos do ensino fundamental no mesmo período”, comparou a coordenadora da pesquisa Julita Lemgruber.
Para a pesquisadora, entretanto, pior do que o prejuízo ao Erário são as violações de direitos humanos. “Presos provisórios são mantidos, na maior parte dos casos, em locais muito piores do que aqueles já condenados. São condições desumanas, com celas superlotadas e denominadas por facções do crime organizado, que alimentam uma profunda sensação de injustiça que pode transformar pessoas acusadas de crimes sem violência em indivíduos ressentidos.”
Das 1.330 pessoas acusadas de tráfico de drogas em 2013, 92,7% eram homens, 80,6% eram réus primários, 62,8% receberam uma única acusação e 59,6% foram assistidos por defensores públicos. Mais de 70% dos casos não contaram com testemunha de defesa no julgamento. Para os que contaram com defesa, foram pedidas provas testemunhais em quase 90% dos casos, mas em cerca de 77% as testemunhas citadas eram fictícias, sem endereço onde pudessem ser localizadas.
Para a professora de direito penal e criminologia da Universidade de São Paulo (USP) Luciana Boiateaux, os números evidenciam um sistema penal que pune e criminaliza de forma proposital.
“Permite um estigma e autoriza todo o sistema de Justiça a retirar essa pessoa [estigmatizada] do seu cotidiano e impor um processo judicial e quiçá uma pena de prisão”, disse.
“Essa ausência de distinção clara entre usuário e traficante é proposital. Não estabelecer quantidade e não detalhar as duas condutas é uma estratégia. E a política de drogas é o motor desse super encarceramento”, disse ao lembrar que o Brasil é o quarto país que mais prende no mundo. Com 607 mil presos, a população carcerária brasileira está atrás apenas da Rússia (673,8 mil), da China (1,6 milhão) e dos Estados Unidos (2,2 milhões).
Até junho do ano passado, havia 39 mil pessoas presas no estado do Rio. Desse total, 46% ou 18 mil pessoas estavam presas provisoriamente, percentual maior que a média nacional (41%).
O estudo fez um recorte com 242 casos e identificou que 68,6% dos réus presos foram detidos com menos de 50 gramas de drogas. Um deles foi preso com 1,9 grama de maconha e foi condenado por tráfico de drogas apesar de o Supremo Tribunal Federal ter considerado em 2010, 480 gramas de maconha quantidade compatível com estoque para consumo.