RIO – Há três meses, um empresário, que pediu para não ter o nome divulgado, dirigia de volta para casa depois do trabalho. Morador da Barra da Tijuca, ele conversava com a mulher, que estava no banco do carona, quando foi fechado por um veículo e precisou pisar no freio numa rua em Jacarepaguá. Em seguida, dois bandidos saíram do automóvel com pistolas em punho, mandando que o casal descesse. Ao ver a cena, o empresário acelerou em direção aos homens, que o atacaram a tiros.
– Eu tinha acabado de blindar meu carro. Isso foi decisivo para sair vivo daquele pesadelo – relembra, aliviado. Seu carro foi atingido por disparos, mas ele conseguiu se desvencilhar dos criminosos. – Ninguém deve ter a reação que eu tive. O problema é que as pessoas estão cansadas de esperar por segurança e acabam tentando amenizar da maneira que dá. Já tive um carro roubado este ano, por isso decidi blindar.
A sensação de insegurança crescente tem despertado na população fluminense o desejo de buscar proteção enquanto dirige. Este ano, entre janeiro e agosto, foram blindados 1.922 carros no Estado do Rio, de acordo com a Associação Brasileira de Blindagem (Abrablin). Ano passado, no mesmo período, 1.342 veículos passaram pelo mesmo procedimento – um crescimento de 43%.
Os números estão atrelados a uma escalada nas estatísticas criminais. No mesmo período, por exemplo, a quantidade de carros roubados no estado saltou de 20.371, em 2015, para 25.783 este ano – uma alta 26,5% -, de acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP). Já os casos de latrocínio (roubo seguido de morte) cresceram 28%, pulando de 111 casos para 143.
Outro número assustador é o de casos de bala perdida. De acordo com a Polícia Civil, em todo o Estado do Rio, houve 846 registros entre janeiro e outubro deste ano, o que dá, em média, quase três vítimas por dia. A polícia não informou os dados de 2015.
– O mercado de blindagem é volátil. Se acontece um crime de grande repercussão, como o caso daquela médica (Gisele Palhares Gouvêa) que foi baleada enquanto dirigia no acesso à Linha Vermelha, há quatro meses, no dia seguinte há uma enxurrada de clientes na empresa querendo blindar o carro – afirma Rodrigo Pereira, diretor da MF4 Blindagem. – Depois de alguns anos em baixa, o mercado se recuperou com a alta da violência.
Em São Paulo, por exemplo, a melhora nos indicadores criminais, conforme apontam levantamentos divulgados recentemente pela Secretaria de Segurança Pública daquele estado, fez o número de blindagens cair 13% nos últimos dois anos. Em 2014, de janeiro a agosto, foram blindados 9.579 veículos, contra 8.329 este ano no mesmo período.
No Rio, no início da década, enquanto a cidade vivia a era das expansões das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o mercado de blindagem entrou em crise, com algumas empresas chegando a fechar as portas. Uma advogada, que pediu para não ter o nome divulgado, conta que chegou a se desfazer de um carro com as placas protetoras em 2011.
– Ter um carro blindado se tornou algo supérfluo naquela época – afirma ela. – Hoje, ninguém da minha família sai de casa em veículo que não seja blindado.
De acordo com especialistas do setor, o Estado do Rio tem hoje cerca de 13.400 carros blindados. O processo tem alguns efeitos colaterais. Para começar, é irreversível, não sendo possível, por exemplo, retirar as placas de aço depois de soldadas. Outro fator a se pensar é que a instalação dói no bolso: em algumas empresas, o procedimento mais barato não sai por menos de R$ 42 mil. Mas, dependendo do tipo de automóvel e de ajustes necessários, esse valor pode dobrar ou até triplicar.
Há ainda outra questão que obriga o interessado a pôr na balança os prós e contras do reforço na lataria. Blindado, o veículo chega a carregar 180 quilos a mais, o que pode comprometer a vida útil do motor e aumentar substancialmente as despesas com combustível.
– A pessoa que manda blindar um carro está preocupada com segurança, porque dinheiro ela acaba perdendo – diz Fábio Rovedo de Melo, conselheiro da Abrablin. – O carro blindado é mais difícil de ser vendido e exige manutenção periódica.
A blindagem máxima permitida pelo Exército – agente regulador do serviço no Brasil e responsável pela fiscalização das empresas – é do tipo III-A, capaz de proteger contra disparos de armas curtas (pistolas e revólveres) e submetralhadoras. A proteção, porém, não barra tiros de fuzil. O nível mais alto de blindagem é o IV, que protege o veículo de todas as armas, além de granadas. A categoria, contudo, não é permitida para civis.
Tornar-se dono de um blindado também exige percorrer um caminho longo e burocrático. Quando o proprietário toma a decisão de reforçar a lataria do veículo, é preciso conseguir um documento expedido pelo Exército, que exige a apresentação de antecedentes criminais. Pessoas, por exemplo, que já tenham cometido crimes não podem obter a licença. O processo dura alguns dias e custa cerca de R$ 500.
O documento é usado para dar entrada no pedido de blindagem nas empresas. Leva-se de 30 a 45 dias úteis para a conclusão do processo. Todo esse tempo é necessário para desmontar o carro, instalar as placas protetoras em seu interior e trocar os vidros por modelos mais espessos. O trabalho termina depois que o veículo é vistoriado pelo Detran. Sem essa avaliação, o motorista poderá ter o automóvel apreendido numa blitz da Polícia Militar, por exemplo.
Para a cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, o carro blindado pode salvar uma vida uma vez, mas trata-se de uma medida paliativa.
– Investir nesse segmento ajuda a melhorar a sensação de segurança. Mas uma hora o motorista precisa sair do carro. O que deve haver são operações das polícias para desarticular as quadrilhas que vendem armas e munição aos traficantes. Sabemos que os bandidos estão armados com fuzis em várias favelas do Rio. Um disparo desse tipo, com ou sem blindagem, pode ser fatal.
LOCAÇÃO DE BLINDADOS CRESCE ATÉ 60%
O aumento da procura por veículos blindados tem refletido também no mercado de locação. De acordo com funcionários do mercado, os Jogos Olímpicos foram um dos motivos que fez o setor crescer tanto neste ano. A sócia-proprietária da Blindaquo Quality Car, Elana Viana, afirma que a imagem de cidade violenta que o Rio passa foi decisiva na procurar por parte de turistas.
— Esperava a procura apenas por parte de estrangeiros, mas a metade de nosso clientes eram de turistas nacionais que fizeram questão de vir ao Rio, mas andar pela cidade mais protegidos — diz Elana, que espera fechar o ano com crescimento de 60% no faturamento, em relação ao ano passado.
Com a demanda alta, a empresa criou pacotes mensais para clientes mais assíduos. Para alugar um carro durante 24 horas, o cliente paga entre R$ 700 e 3.100 reais. Já para aqueles que desejam usar o carro o mês inteiro, paga cerca de R$ 13 mil reais.
O tipo de cliente que opta pelo serviço também sofreu alteração. No passado, a predominância era de homens de negócios que vinham à cidade e iriam transitar entre a Barra e a Zona Sul . Agora, principalmente aos finais de semana, muitas família que vem ao Rio para passear estão optando pelo serviço.
— Antes, ficávamos com o pátio lotado aos sábados e domingo pela baixa procura. Desde o início do ano, o panorama mudou — diz Roberto Loureiro, gerente da Turismo Classe A. — Vamos crescer 20%, em relação a 2015.