A noção de femicídio, mais uma vez, limita o tema das relações de gênero à dimensão exclusivamente feminina, à violência contra a mulher. É evidente que existem padrões de homicídio que estão relacionados a uma certa construção do masculino na nossa sociedade e às formas de dominação que lhe correspondem. Mas a dominação das mulheres não está dissociada da dominação que se exerce nas relações entre os próprios homens. É nessas relações que se constitui o patriarcalismo e é aí também que estão as chances de descontruí-lo. Se continuamos nessa trilha particularista, teríamos que criar também o masculicídio, já que a manifestação mais dramática da violência está na quantidade estúpida de agressões e mortes perpetradas por homens contra outros homens. A não ser que se suponha que essas agressões e mortes não tenham nada a ver com os padrões de masculinidade, com os mecanismos de dominação intra-pares — dos quais, inclusive, a violência contra mulheres é uma parte importante — e que se ignore que a própria formação da masculinidade se estrutura em práticas violentas — físicas e emocionais — como mostram diversos estudiosos.
As múltiplas formas de violência não estão, portanto, dissociadas, mas continuamos a tratar como se fossem dois mundos à parte: de um lado a violência dentro de casa, contra as mulheres; de outro, a violência das ruas, entre homens. Isolar a violência contra mulheres e supor que se trata da única manifestação da virilidade violenta é insistir, a meu ver, em uma visão dualista e essencialista que apenas aprofunda o abismo entre homens e mulheres e, dessa forma, obstrui o caminho para a mudança ou para o desenvolvimento de novos modelos de relação de gênero.
Penso também que reduzir o episódio do seqüestro e morte de Eloá a um crime de ódio, um crime político ou de poder é perceber o problema de forma unilateral, tanto quanto supor que se trate apenas de uma crise de ciúmes patológico. É perder de vista a complexidade do contexto e a multiplicidade de elementos que estavam conjugados naquela situação particular e que estão presentes, em geral, nas situações de violência entre parceiros íntimos.