Julita Lemgruber a Alexandre Tortoriello, sobre políticas de segurança

Desigualdade não serve de desculpa para violência, diz socióloga

A socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, afirma que a desigualdade não pode ser usada como justificativa para a violência, que deveria ser um assunto prioritário em todas as esferas de governo.

A ex-ouvidora da polícia e ex-diretora do sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (Desipe) diz que sua opinião se baseia em análises do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Ricardo Henriques, economista e pesquisador do Ipea, que agora é o grande gerente do programa de alfabetização do governo Luiz Inácio Lula da Silva e dedicou anos de estudo à questão da desigualdade e pobreza, mostra que, nos últimos 30 anos no Brasil, a curva da desigualdade permaneceu rigorosamente estável, ressalta Julita.

Nesse tempo, tivemos, entre ditadura e democracia, governos de várias correntes políticas, uma ditadura que ora foi mais, ora menos dura, passamos por vários planos econômicos e nada mudou. Henriques chama a curva da desigualdade no Brasil de o eletroencefalograma de um morto, afirma, com indignação, a socióloga.

Plano Nacional

Para Julita, a falta de envolvimento do governo federal na segurança pública é uma das principais causas dos altos índices de criminalidade no Brasil.

Não existe política de segurança pública em lugar nenhum deste país. Uma política de segurança pública requer planejamento, é alguma coisa que é amadurecida ao longo de um período em que você faz um diagnóstico, apresenta uma linha de ação e passa à implementação de suas propostas, reclama.

No Brasil, temos um Plano Nacional de Segurança Pública que não saiu do papel, apesar de o presidente Lula tê-lo defendido durante a campanha. É um plano detalhado, que prevê medidas nas áreas de prevenção e repressão, além de ações policiais.

A socióloga lembra que Lula havia prometido transformar a Secretaria Nacional de Segurança Pública — subordinada ao Ministério da Justiça — em uma secretaria de Estado, ligada diretamente à Presidência da República, com nível ministerial, a exemplo da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Tudo isso é simbólico. Se você tem uma Secretaria Nacional de Segurança Pública se reportando diretamente ao presidente, você mostra para a população que o presidente considera o tema relevante e está trazendo-o para junto de si. Mas não foi o que aconteceu.

 

Verbas

Para agravar a situação, o Fundo Nacional de Segurança Pública tem R$ 360 milhões por ano. É muito pouco! Só no Estado de São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública tem um orçamento anual de R$ 5 bilhões, diz Julita

A socióloga afirma que os projetos sociais só terão impacto na segurança pública depois de muito tempo.

Não adianta só investir na solução da fome e do desemprego, se as pessoas empregadas e com barriga cheia morrerão em um assalto ou de bala perdida na esquina.

É preciso investir na polícia. O policial precisa ganhar melhor. Não é possível que um policial tenha que morar em favela. Nós temos uma polícia que mata para caramba.

Na área prisional, Julita Lemgruber alerta que o Brasil não deve seguir o exemplo dos Estados Unidos, mas optar mais pelo uso de penas alternativas.

O ex-ministro da Justiça britânico Douglas Hurd (1985-89) dizia que a prisão é uma maneira cara de tornar as pessoas piores, diz Julita. A privação da liberdade deve ser reservada aos criminosos violentos e perigosos, que realmente se constituem em uma ameaça concreta ao convívio social.

Os outros podem e devem ser punidos com penas alternativas, como é o caso da Grã-Bretanha. Cadeia não foi feita para socializar ninguém, conclui a socióloga.

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