A socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes e que já esteve à frente do Departamento do Sistema Penitenciário, defende que a Vara de Execuções Penais (VEP) e o sistema penitenciário funcionem de forma integrada para que não haja necessidade de mutirões carcerários. Em entrevista ao GLOBO por e-mail, Julita, que atualmente é visiting fellow do Human Rights Program, da Harvard Law School, nos Estados Unidos, conta que, hoje em dia, praticamente não existem presos com pena cumprida dentro dos presídios. Ela afirma ainda que alguns detentos chamam esses mutirões de “mentirosos” por agirem de forma pontual, sem resolver o problema amplamente.
O GLOBO: O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou recentemente mutirões nos presídios para conceder benefícios garantidos por lei a detentos. Isso já havia acontecido no Estado do Rio?
JULITA LEMGRUBER: Já houve vários mutirões tanto no Rio quanto em outros estados. Quando eu dirigi o sistema penitenciário (91/94), houve um grande mutirão, quando, inclusive, a Vara de Execuções ficou fechada para atendimentos externos por um mês inteiro. Os presos acabam chamando esses mutirões de mentirões, porque resolvem um ou outro caso pontual.
Um dos presos que entrevistei falou que apenas quem tem um bom advogado consegue sair no tempo certo dos presídios. Concorda com ele?
JULITA: A Defensoria Pública no Rio faz um grande trabalho, mas ainda são poucos defensores para um número de presos enorme. Os funcionários que funcionam como assistentes jurídicos em várias unidades, em geral desviados de função, também são poucos e, com freqüência, com formação deficiente. A conseqüência é que, em geral, quem tem um bom advogado consegue os benefícios legais mais dentro dos prazos.
Ele também afirmou que muitos presos ficam esquecidos nas unidades prisionais do Rio. Isso acontece com freqüência?
JULITA: Muitas vezes, há presos que não conhecem seus direitos e nem procuram ajuda. Outros estão em unidades com um efetivo enorme e poucos defensores ou defensor nenhum. Os assistentes jurídicos também não existem em número suficiente.
Como explicar uma Justiça que esquece dos presos, mesmo depois de eles terem cumprido suas penas?
JULITA: Casos de presos com pena cumprida praticamente não existem mais. A VEP do Rio tem um dos melhores sistemas informatizados do país, que vem da época do juiz Carlos Raymundo Cardoso. O juiz titular da VEP recebe, regularmente, listagens com os nomes de presos que estão com pena para terminar, presos que estão na época de receber livramento condicional ou progressão de regime.
Em sua opinião, o mutirão carcerário é um bom caminho para desafogar o sistema judiciário?
JULITA: O ideal seria que o sistema penitenciário e a VEP funcionassem de tal forma integrados que não houvesse necessidade de mutirões.
Magistrados indicaram a intenção de fazer os mutirões regularmente. Esses mutirões podem ser uma solução para amenizar a morosidade da Justiça no julgamento de processos?
JULITA: Talvez mutirões regulares, enquanto não se estabelece um ritmo de trabalho regular satisfatório, possa ajudar. Mas o ideal, como já disse, é que se estabelecesse um ritmo de trabalho tal que não houvesse necessidade de mutirões.