Ex-ouvidora de polícia aponta ‘absoluta complacência do poder público’ como facilitador para a expansão das milícias no Rio
Rio – O avanço das milícias e do tráfico de drogas é para a socióloga Julita Lemgruber o sinal mais claro da falência do Estado. Diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes e integrante do Conselho do International Center for Prison Studies, a ex-ouvidora da polícia é pessimista quanto à atual situação de combate à criminalidade no Rio: “Estamos quase chegando ao fundo do poço”. Autora dos livros ‘Cemitério dos Vivos’ e ‘Quem Vigia os Vigias? – Um estudo sobre Controle Externo da Polícia no Brasil’, ela acredita que o crescimento das forças paramilitares é o resultado do descaso do poder público estadual, que permitiu, numa política frágil e quase conivente, que policiais e bombeiros marginais chegassem ao comando de 78 favelas cariocas.
O que o episódio da tortura aos jornalistas representa para o Estado, além de uma grave contaminação da polícia?
O controle absoluto de territórios por grupos armados, sejam formados por traficantes ou por milicianos, impondo sua vontade através da violência, traduz a gravidade da falência histórica da política de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro.
Qual é o primeiro passo a ser dado para limpar as corporações?
Os controles internos e externos precisam ser mais eficazes. E é preciso que sejam urgentemente criados mecanismos ágeis para livrar as polícias dos maus policiais. Nova Iorque, nos Estados Unidos, e Bogotá, na Colômbia, por exemplo, demitiram milhares de policiais nas suas bem-sucedidas reformas da polícia.
Por que as milícias conseguiram se expandir tanto nos últimos anos?
Por absoluta complacência do poder público e dos comandantes de batalhões.
Há quem defenda a milícia como uma forma de expulsar o tráfico. Qual é o perigo disso?
Quando primeiro se ouviu falar de milícias, muitos aplaudiram e hoje percebem o perigo de deixar crescer estruturas como essas, que se tornam algozes da população pobre, tão ou mais cruéis do que aquela dos traficantes.
Em seu período à frente da Ouvidoria da Polícia do Rio de Janeiro, houve tentativa de se criar uma estrutura independente, sem interferência de policiais. Isso é possível hoje? Seria benéfico?
Só podemos ter controle externo da polícia de fato com ouvidorias independentes e autônomas, que façam investigações de forma independente e não se tornem reféns das Corregedorias, que são os órgãos de controle interno, em geral corporativas e pouco eficazes.
Pode-se afirmar que o Estado perdeu o controle sobre as polícias?
Estamos quase chegando ao fundo do poço…
É correto recusar o auxílio da Polícia Federal para combater as milícias, como decidiu a delegacia responsável pela investigação do caso dos jornalistas torturados?
Nenhum auxílio deveria ser recusado. O próprio secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, quando ainda estava na Polícia Federal, auxiliou bastante a investigação de vários episódios.