Silvia Ramos a Jaime Gonçalves Filho, sobre ação policial

A única política de segurança até aqui é o BOPE, diz socióloga

 

RIO – Quando o governador Sérgio Cabral tomou posse, em janeiro de 2007, prometendo uma revolução na política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, teve apoio de uma população acuada e o voto de confiança dos especialistas. Passados 180 dias no cargo, já tem no currículo uma marca pouco invejável: a responsabilidade por comandar o mais duradouro confronto urbano entre policiais e traficantes no Rio. Até então, sem o resultado esperado.

Na entrevista abaixo (que abre a série Três perguntas para…), a socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC), se diz perplexa com a situação dos complexos de favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio. Ela ressalta que, considerada a ação reativa da polícia e a ausência de políticas sociais nestas áreas, os primeiros seis meses de governo foram decepcionantes.

Nesta segunda-feira, completam-se 60 dias dos combates que impressionam a população e põe em pânico os moradores. No final da noite de quarta-feira, 27, quando contabilizava-se 19 corpos na operação em que 1350 homens das polícias Civil, Militar e da Força de Segurança Nacional enfrentaram traficantes na região, o saldo parcial pulava para 121 vítimas – 44 mortos e 77 feridos. A maioria inocentes.

– Essa operação parece ter sido a mais letal e traumática para os moradores. Muito longe de produzir paz ou segurança, ela só aumentou o pânico – diz Silvia.

A promessa de Sérgio Cabral e do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, é de não recuar e repetir as ações em outras favelas da cidade. Para a socióloga, os números são elevados porque a área conflagrada está na Zona Norte da cidade. Na Zona Sul, ressalta, o resultado por ser outro.

– A cidade não suportaria um conflito tão prolongado e tão traumático se ele fosse vivido de perto – alerta.

 

Com 60 dias de duração e já ultrapassada a marca de 100 vítimas, como a senhora analisa a ocupação realizada pela Polícia Militar nos complexos de favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro?

O primeiro problema é que não se trata de ocupação, mas de cerco. Em nenhum momento a polícia entrou e ficou em qualquer uma das 21 favelas dos dois complexos, o do Alemão e o da Penha. O que esperávamos era uma ação de recuperação do controle territorial por parte da polícia para a entrada de serviços e programas sociais e assistenciais por parte do Estado. Até o momento, essa ocupação, tanto policial como social, nenhuma das duas se deu. O que temos nesses quase dois meses são operações pontuais, pouco efetivas do ponto de vista da produtividade (apreensão de armas longas e munição) e muito perigosas do ponto de vista de vidas perdidas e pessoas feridas, tanto do lado dos criminosos, como do lado da população inocente como da polícia.

O que falta é um plano transparente para os moradores e a sociedade. Além de uma estratégia policial mais efetiva e menos letal do que a praticada até aqui, espera-se que o Estado diga o que fará nos complexos depois que derrotar os criminosos. Falta um plano para aquelas áreas e não só planos bélicos e militares. Se a população souber o que vai receber quando grupos criminosos forem derrotados, podemos esperar apoio e cooperação.

 

As primeiras ações do então recém-eleito governador Sérgio Cabral, mais especificamente na área de segurança pública, foram muito elogiadas pelos especialistas de segurança. Seis meses após a posse, quais são suas impressões? Aquelas primeiras ações se mostraram decepcionantes?

O novo governo tem sido muito efetivo em estabelecer diálogos com setores cujas pontes tinham sido dinamitadas pelos governos anteriores: diálogos da secretaria de segurança e da PM com moradores de favelas, com pesquisadores, com o governo Federal, com o governo Municipal e com a mídia. Esses canais continuam abertos e são importantes.

Mas o governo até agora não conseguiu produzir um programa efetivo de segurança pública. As ações têm se reduzido a responder às crises. A polícia é sempre reativa e já sai em desvantagem. Enquanto a PM enfrenta criminosos, o governo Sérgio Cabral deveria estar colocando em prática um plano de longo prazo, de ações, programas e reformas que farão a diferença daqui a três ou quatro anos. A única política de segurança até aqui é o BOPE (Batalhão de Operações Especiais) e a PM. Ora, a polícia tem que ser uma parte de um programa de segurança. Nisso o governo Sérgio Cabral está decepcionando.

 

O fato de as áreas de conflito estarem localizadas na Zona Norte pode ter contribuído para o prolongamento da operação?

Certamente, o que caracteriza essas áreas é serem favelas e estarem localizadas nos subúrbios da cidade. Nada disso aconteceria na Zona Sul e nem mesmo em favelas da Zona Sul da cidade. A cidade não suportaria um conflito tão prolongado e tão traumático se ele fosse vivido de perto. O abandono a que essas áreas estão submetidas há décadas explica essa “tolerância”.

Acho que todos estamos um pouco perplexos. Por um lado, todos querem dar um crédito para a secretaria de segurança e a PM, quando eles dizem que não vão recuar diante do poderio bélico de criminosos que tornaram inexpugnáveis aquelas áreas. Por outro lado, não é mais possível suportar esse derramamento de sangue diário, em que os resultados são tão insatisfatórios.

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