Política do confronto não é a solução, diz especialista
Pesquisadora afirma que aplausos de governantes só estimulam a polícia a ser cada vez mais violenta
A questão da segurança pública no Rio de Janeiro tem sido um dos principais motivos de descontentamento e preocupação da população e de especialistas do setor. Com a maior taxa de homicídos do País, o Rio vive um quadro que se mantém praticamente inalterado já há quase duas décadas. O que me parece que houve aqui, em relação à segurança pública, foi uma sucessão de erros, desde os anos 80, pelo menos, onde se privilegiou o confronto armado em áreas de favelas, afirma a cientista social, pesquisadora e coordenadora do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania (CESeC ) da Universidade Cândido Mendes, Sílvia Ramos.
Ela defende a necessidade de revisão de alguns conceitos por parte da sociedade e o desenvolvimento de uma política governamental de segurança eficaz. Além disso, Sílvia observa que o confronto direto, apesar de inevitável em alguns casos, tem sido a pior das opções. O problema é que o confronto se tornou a política de segurança, por excelência. E no governo atual há um discurso que também valoriza o confronto, e assim continua produzindo, provocando e repetindo os mesmos erros dos governos anteriores, assinala. A cientista não gostou das mudanças na cúpula da Polícia Militar, porque o antigo comando era mais aberto, democrático.
TRIBUNA DA IMPRENSA – A segurança pública tem sido um dos principais motivos de queixas da população. No caso específico do Rio de Janeiro, quais os principais fatores que levaram a situação ao quadro em que está hoje?
SÍLVIA RAMOS – No Brasil são assassinadas 50 mil pessoas por ano, o que representa uma taxa de mais de 25 homicídios por 100 mil habitantes, uma das mais altas da América Latina. Só para termos uma idéia, a taxa de homicídios de países da Europa gira em torno de um a três homicídios por 100 mil habitantes. Mas a taxa de homicídios do Rio de Janeiro é superior a 50 por 100 mil habitantes.
No caso específico do Rio, temos um contexto de criminalidade muito grave não é de hoje, nem de poucos anos atrás. É um quadro que se mantém praticamente inalterado já há quase duas décadas. O que me parece que houve aqui, em relação à segurança pública, foi uma sucessão de erros, desde os anos 80, pelo menos, onde se privilegiou o confronto armado em áreas de favelas na cidade. Isso estimulou uma corrida armamentista e, atualmente, nós somos os únicos do Brasil que tem esse tipo de configuração de criminalidade. Ou seja, temos muitas áreas na cidade ocupadas por grupos ilegais armados, tanto traficantes quanto as milícias, que utilizam armamentos de guerra, como armas longas, fuzis, metralhadoras, entre outras. E as polícias também entram com armas de guerra, com blindados.
Assim, acabamos tendo uma ampla corrida armamentista.
No Rio, nós chegamos a um ponto muito longe. Na última década, se errou muito mais do que se acertou. Demos pouca prioridade a investigar como as armas entram nessas áreas urbanas, e como essa munição também entra. A arma entra uma vez e fica lá dentro, mas a munição tem que entrar o tempo todo e todos os dias. Existe um abastecimento permanente de ambas. E pouquíssimas investigações foram feitas para conter tais fluxos. Acredito ser este um dos exemplos de como se tem errado na condução das políticas de segurança.
As autoridades erraram nas prioridades, e no próprio alvo. Parece que as operações que foram feitas ao longo das décadas passadas e atual contribuíram mais para o fortalecimento desses grupos ilegais, e que ocupam áreas inteiras da cidade, onde o Estado não se faz presente e que, atualmente, em algumas nem pode entrar. E quando o faz, precisa dos blindados. (…).
A ocupação cada vez mais expansiva do poder paralelo é reflexo exclusivo e direto da ausência do poder público nos referidos locais?
Sim. É reflexo direto da ausência do poder público e também de uma política de segurança em tais lugares. Não é só ausência de escolas, postos de saúde, como se diz muito usualmente. É também. Mas é sobretudo pela a ausência de políticas de segurança e não de políticas bélicas de guerra.
As áreas de favelas do Rio de Janeiro nunca tiveram política de segurança. Enquanto a classe média estava discutindo se queria policiamento tipo Cosme e Damião, policiamento comunitário, ou policiamento de proximidade, foram criados os Conselhos de Segurança (Consegs), além de uma série de mecanismos para tentar, minimamente, aproximar os batalhões e os policiais dos comerciantes e moradores. As favelas foram, ao longo de muitos anos, focos, e eram tratadas como se fossem áreas inimigas. Ali sempre se teve política de confronto e tiroteio, e nunca de segurança. A polícia entra atirando, e essa é uma expressão que, infelizmente, se consolidou para moradores do Rio que moram em favelas.
Ao mesmo tempo, se tem uma área da cidade que dispõe de policiamento comunitário, preparado para interagir com moradores e lojistas, e na área do lado, ou seja, encostado, se tem uma área de favela, onde o policial é preparado para entrar atirando, para depois perguntar. Parece que foram combinações de ausência de benefícios públicos, como saúde, educação, saneamento, entre outros, com uma política de segurança não só omissa, mas profundamente equivocada.
E sobre a crise no comando militar do Rio, qual a sua análise sobre os fatos que ainda repercutem na corporação?
Vejo tudo isso com muita tristeza. O grupo que aí estava, do então comandante Ubiratan Ângelo, ao meu ver era bastante disponível no que se refere ao diálogo com a sociedade. Existia a esperança de mudanças, efetivamente. É uma pena.
Agora, devemos aguardar para ver se os novos comandantes darão continuidade à mesma interação que vinha sendo promovida. É fundamental que a manutenção da segurança e o respeito às leis sejam cumpridos. Além disso, é fundamental o respeito à sociedade civil, em todos os níveis, pelas autoridades. Não pode é acontecer o que foi visto na semana passada, quando o chefe do Comando do Policiamento da Capital (CPC), Marcus Jardim, afirmou que bailes funk são verdadeiras feiras de drogas, pontos de encontro de marginais. Atualmente, vários jovens de família gostam do ritmo, e nem toda festa funk pode ser tachada como encontro de bandidos. Tem que se ter diálogo e respeito.
Durante muitos anos, as corporações ficaram isoladas da sociedade civil exatamente por esse tipo de comportamento. E tudo isso só contribuiu para a degradação. Ainda é cedo para determinar quais as conseqüências que as mudanças nos comandos produzirá. Temos que aguardar. As dificuldades têm que ser superadas e não aprofundadas. Caso não, o buraco só tende a aumentar.
De que forma o fato de a história da segurança pública ser extremamente atravessada por interesses político-partidários, em virtude das mudanças promovidas por cada novo governante, influenciou na estrutura das corporações policiais?
Realmente, a observação feita foi um fator decisivo e que contribuiu para deteriorar as políticas de segurança no Rio. Em primeiro lugar houve uma espécie de uso da Polícia com fins eleitorais, ou seja, nocivo. Quando vemos São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, percebemos que independentemente de quem era o governador do turno, ou o partido, as PMs e as próprias Polícias Civis mantinham um certo equilíbrio. Não acontecia de ganhar um governo voltado para os Direitos Humanos e mudar o comando de todos os batalhões, ou o caso de ser eleito um governante que tinha uma política de gratificação por bravura ou faroeste e mudava tudo de novo.
No Rio de Janeiro, o que ocorreu foi que os comandos das corporações davam guinadas de 180º, de acordo com o governo. E as polícias não conseguiram manter esta relativa autonomia em relação aos governantes da vez. Além dessa ciclotimia, de balanço entre a extrema-esquerda e a extrema-direita dos comandos, tudo indica que um tipo de politicagem foi muito presente, até recentemente, na indicação de comandantes de batalhões e delegados titulares de Delegacias de Polícia.
Esse tipo de idéia de que o vereador ou o deputado estadual ou federal é quem indica quem vai ser o comandante do batalhão, se revelou muito nocivo. Apenas recentemente a nomeação não está mais sendo feita de acordo com prioridades políticas ou partidárias, mas sim de acordo com as prioridades da área de segurança.
Atualmente, pode-se observar uma proliferação das quadrilhas formadas por indivíduos de classe média alta no que se refere ao chamado tráfico de asfalto. Enquanto pesquisadora sobre o tema, a senhora apontaria qual seria a rota feita pelas drogas que chegam até tais indivíduos?
O que parece que está havendo mais e mais é uma divulgação e uma priorização por parte da Polícia, e agora da imprensa, em focalizar a presença de grupos e indivíduos de classe média associados ao tráfico de drogas ilícitas. Sempre houve. Por exemplo, o caso do João Guilherme Estrella, que está sendo mostrado em um filme em cartaz. Aquilo mostra uma coisa que não era a maioria, mas já existia nos anos 80, no boom da cocaína no Rio de Janeiro, onde um jovem de classe média mantinha sua rede de tráfico totalmente independente da rede de favelas. Mais recentemente nós tivemos o surgimento das drogas químicas, cada vez mais usadas por segmentos da classe média, como o ecstasy e os comprimidos conhecidos como balas. Esses tipos de drogas passaram a entrar no Brasil no final da década passada, diretamente através da própria classe média.
Eram carregamentos que chegavam por meio de pessoas que iam buscar na Europa, e que tinham essa capacidade de trânsito internacional, com passaportes, dinheiro para comprar passagens e capacidade de se ligar ao tráfico europeu. Eles funcionavam como importadores, e era e é muito consumido em raves (festas de música eletrônica), passando a fazer parte de um circuito que excluiu a favela, inicialmente. Contribuiu extremamente para que hoje se viva este novo momento da violência nas favelas. Há muitas mudanças que dizem respeito principalmente a essa crise das drogas.
Se nos anos 80 e 90 houve o boom da cocaína, que chegava através das favelas, e daí até a classe média, o que favoreceu a entrada de fluxos muitos fortes de dinheiro, hoje temos o contrário, em que o consumo de drogas dentro das favelas é quase que na maioria dos casos feito pelo consumidor que é morador da própria localidade. Temos ainda o ingresso, em algumas áreas do Rio, muito forte do crack, que não existia na década passada, e que se deve ao fato de ser uma droga muito mais barata, podendo ser consumida com muito mais facilidade pelos consumidores de baixo poder aquisitivo. Existe um privilégio de fornecer tais drogas para o consumidor que vive dentro das favelas, e menos para os consumidores de classe média, uma vez que estes têm suas redes próprias. Isso está gerando uma crise financeira no tráfico de drogas dentro das favelas, por um lado, e fazendo com que aumente a circulação do tráfico na classe média.
A maior mudança que isso provoca para a sociedade pode ser observada a partir da análise dos anos em que a classe média toda apoiou que o tráfico de drogas se tornasse crime hediondo. Será que essa classe média se perguntou o que ela gostaria que fosse classificado como crime hediondo se ela soubesse que seus próprios filhos seriam os traficantes? Então, essa idéia de que o traficante é aquele fascínora armado com AR-15 está tendo que ser revista pela sociedade.
O traficante é apenas aquela pessoa que importa e depois revende uma droga que é considerada ilícita. Quando os traficantes estão nos prédios da Barra da Tijuca (Zona Oeste) será que estas famílias querem que eles sejam tratados da mesma forma que antes? Enfim, acho que a própria sociedade tem que rever a forma pela qual ela tem tratado a questão das drogas, traficantes e usuários.
Hoje o Rio de Janeiro fica no meio do fogo cruzado de policiais, traficantes e milicianos. O território está dividido e é razão de constantes confrontos. Na sua opinião, quais atitudes deveriam ser tomadas para que a situação possa ser revertida? O confronto direto seria a única solução?
Parece que o confronto direto é a pior solução. E foi a única solução adotada ao longo das últimas décadas, inclusive a atual. Nós agora estamos colhendo os resultados disso. Não estou dizendo que não é possível nunca termos confronto, uma vez que, em alguns casos ele, infelizmente, é inevitável. O problema é que o confronto se tornou a política de segurança, por excelência. E no governo atual há um discurso que também valoriza o confronto, e assim continua produzindo, provocando e repetindo os mesmos erros dos governos anteriores.
Não existem dúvidas, e a própria Polícia reconhece isso, que deve retirar esses grupos ilegais armados, sejam eles traficantes ou milicianos, e que ocupam grande parte do território da cidade. Entrar, trocar tiros e depois sair, só faz com que eles se fortaleçam, e tem provocado o aprofundamento do terrorismo que esses grupos fazem com as populações locais. A única solução é entrar e ficar. Da mesma forma que nós queremos policiamento permanente e 24h em Copacabana, nós precisamos também de uma polícia que fique permanentemente e 24h por dia nas áreas de favelas do Rio de Janeiro.
Para isso é preciso estabelecer programas, como por exemplo, o que já existe na Zona Sul, o GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais ), que é um dos programas que deu certo. É preciso que se estabeleçam comandos, que os policias e o patrulhamento permaneçam nas favelas, de forma que as populações tenham segurança e tranqüilidade, cientes de que eles estão ali para prover a segurança e não para promover a violência contra os moradores.
Caso houvesse a descriminalização de algumas drogas consideradas ilícitas, essa luta entre traficantes pelo poderio, essa ocupação de território, que sempre provoca a morte de vítimas inocentes, seria menor?
Eu acredito que, a curto prazo, não. O que está em questão, hoje, pelos grupos armados que detêm o controle territorial de favelas do Rio não é mais a droga apenas. É o controle de um espaço onde se explora uma série de outras coisas. As drogas, às vezes, ficam até em segundo lugar. Temos a venda de bujões de gás, negócios relacionados ao transporte paralelo, a participação na venda de sinais de TV a cabo, e agora, mais recentemente, sabemos até da venda de bebidas em algumas áreas que são feitas dando prioridade à venda da bebida do dono da favela para só depois permitir aos comerciantes locais a venda de seus produtos.
Assim, se as drogas fossem descriminalizadas, o que seria quase impossível, nós não teríamos a curto prazo a resolução do problema principal que é o domínio territorial por grupos armados, que ocupam áreas mesmo sem a venda de drogas, a exemplo das milícias.
Teríamos na redução da maioridade penal uma alternativa para diminuição da criminalidade?
É um assunto muito polêmico. A minha opinião é que esse tipo de discussão tem mais contribuído para dizer que algo tem que ser feito, do que propriamente enfrentar o problema. Meu principal argumento, apesar da polêmica, é que a taxa de elucidação de homicídios no Rio de Janeiro é uma das mais baixas do mundo. Segundo dados da própria Secretaria de Segurança, menos de 10% dos casos têm seus autores descobertos e presos, sejam os cometidos por maiores ou menores.
De que adianta dizer que os menores de idade também vão ser presos nas mesmas cadeias, que não regeneram os maiores, se a gente não está conseguindo levar às barras da Justiça 90% das pessoas que cometem os crimes mais graves?
Esse grito por redução da maioridade penal, normalmente atende muito mais ao desejo daquelas pessoas que acham que o crime não acontece nas sua famílias, e que os criminosos são sempre aqueles pobres, de favelas. Talvez, elas pensassem duas vezes se soubessem que os criminosos são os seus filhos, sobrinhos e netos, a exemplo do que nós estamos vendo agora no tráfico de drogas.
A sociedade brasileira está tendo que se defrontar com perguntas que não se fazia antes porque sempre o crime foi identificado como alguma coisa que acontecia com a família dos outros.
O sistema carcerário no Brasil é deficiente, e se mostra, em grande parte, incapaz de abrigar e ressocializar o preso, atualmente. Qualquer tipo de intenção social não acaba por se perder com isso?
É verdade. Do jeito que o sistema carcerário está organizado no Brasil, nós ficamos até desestimulados para dizer que é preciso prender os bandidos e assim mantê-los. O próprio ministro da Justiça falou que o sistema carcerário brasileiro, e não só do Rio, é desumano no sentido que não trata os presos de forma correta. Nenhum sistema vai bem quando acontece isso. É preciso fazer uma revisão, separar os presos perigosos dos que cometeram delitos de menos gravidade. Além disso, o Brasil é um dos países que menos utiliza o sistema de penas alternativas.
E pena alternativa não é quando a classe média paga uma cesta básica, mas sim quando se presta serviços à comunidade. Muitas vezes, para um menino preso com um pequeno papelote de maconha ou cacaína na favela, é muito melhor que ele preste serviços à comunidade, em um grupo de igreja, de esportes, ou uma ONG (Organização Não-Governamental), como o AfroReggae, do que ele ser jogado em um desses institutos de medidas sócioeducaticas, que nós sabemos, são verdadeiras prisões.
Ao mesmo tempo que nós usamos pouco o sistema de penas alternativas, deixamos muita gente que comete crimes graves fora da cadeia. O sistema precisa ser mais humanizado, mas é preciso corrigir as distorções. Deixar a cadeia para quem precisa de cadeia. Não é possível aceitar que grupos como o AfroReggae, Cufa (Central Única das Favelas), Nós do Morro, estejam na prática tirando os jovens do tráfico, enquanto o sistema penal, em vez de contribuir para isso, atrapalhe.
Quais os principais fatores que a senhora pontuaria para os diversos casos de desvio de conduta do policial observados atualmente?
O Rio é um caso grave no quadro nacional. Nós temos 500 mil policiais no Brasil, e o Rio tem aproximadamente 50 mil policiais, se juntarmos Polícia Civil e Militar, e o salário da PM do Rio é o segundo pior do Brasil. Só fica atrás de Alagoas.
Apesar de não justificar, nem explicar, há um quadro de deterioração salarial da carreira de policial militar, e que vem sendo acompanhada de uma série de outros fatores. Agora, o primeiro desvio de conduta que já é aceito por todos os comandantes, que apesar de proibido, quase todo policial faz, é o chamado segundo emprego, o bico. O comandante sabe que ele não pode proibir o policial dele de ter o segundo emprego, porque o policial não vai conseguir sobreviver com o salário que ganha na PM. É muito grave.
Além de ter um efeito prático muito ruim, tem efeito simbólico que é o de o comandante ter que fechar os olhos para o cometimento de um ilícito assim que o policial chega no seu batalhão. E nisso acabou se criando no Rio uma cultura de tolerância em relação a vários problemas que são muito graves. Por exemplo, a segunda arma. O policial no Rio de Janeiro, tem a segunda, a terceira, tem a quarta arma. O que é considerado muito grave em outros estados, como em Minas Gerais, que tem um controle muito grande sobre a segunda arma, aqui se aceita. Muitas vezes são armas ilegais com o número raspado, e daí não é difícil para que o policial passe para o fornecimento de armas para traficantes e milicianos. Vai-se indo em uma escala em que o próprio policial perde a noção do que é grave e ilícito e o que é tolerável.
A gente tem um sistema policial no Rio que, por vários aspectos, está voltado para uma suavização das fronteiras do que não pode ser feito de jeito nenhum, é ilegal, ilícito, mas é aceitável.
Em relação aos últimos governos, nosso balanço é o pior possível. No final da década passada tínhamos uma situação muito grave, e saímos depois de dois mandatos com o Garotinho, muito piores do que estávamos, em todos os aspectos. Em relação a indicadores, estatísticas, má renda da polícia, corrupção policial, entre outros.
O governo atual tem problemas, com aspectos negativos, mas também positivos. Entre os positivos estaria a despolitização da área de Segurança. Parece que é uma promessa do governo e pelo jeito vem sendo cumprida. Hoje não temos mais comandantes de batalhões nomeados por autoridades políticas. O segundo aspecto positivo seria a capacidade de diálogo que o governo vem tendo com atores diferentes da sociedade. O governo anterior, em algumas áreas, inclusive a de Segurança, tinha rompido todos os diálogos.
Em relação ao negativos e graves posso citar o estímulo à política de confronto. Não é possível que quando a Polícia entre na favela e seja obrigada a matar 14 pessoas, por exemplo, o governador anuncie isso como sendo uma vitória. Basta dar uma volta no Brasil, para não falar de outros lugares no mundo, para vermos como as pessoas ouvem estarrecidas tais declarações. Para os fluminenses, às vezes, parece fazer sentido. Acho muito preocupante e o aspecto mais negativo.
A Polícia do Rio é a que mais mata no mundo. No ano passado matou mais de 1.200 pessoas. A Polícia de todos os Estados Unidos, que tem 300 milhões de habitantes, matou 350 pessoas. E no Rio, que tem 14 milhões, é um negócio desproporcional, muito grave. O aplauso por parte do governante a esse tipo de operação acaba danificando as bases de confiança e o próprio policial se sente cada vez mais estimulado a ser violento.