A PM à beira de um ataque de nervos

A unificação das forças policiais é apontada como uma solução para uma série de problemas na corporação

Na tarde do dia 3 de novembro, Bruno Ribeiro Macedo, 19 anos, um rapaz que trabalhava como entregador de pizzas para custear os próprios estudos, procurava um táxi na companhia de um amigo em um dos acessos à Favela do Jacarezinho para que pudesse socorrer o pai que estava sofrendo um enfarte em casa. Quando conseguiu encontrar e táxi, PMs do 3º BPM(Méier) confundiram as ações desesperadas de Bruno, voltadas para acudir o pai, com uma tentativa de assalto. Após algumas advertências, o estudante foi alvejado com seis tiros. Os policiais, que reconheceram o erro fatal, foram afastados das ruas e, por tempo indeterminado, serão submetidos a atividades burocráticas no batalhão onde são lotados até a instauração de um inquérito administrativo.

O episódio acima é apenas a ponta de um iceberg mergulhado em um lamaçal de trágicas situações e evidencia a necessidade iminente de solução para problemas que envolvem, principalmente, o emocional de um efetivo policial. O que chama a atenção é que não se trata apenas de um processo de banalização da criminalidade ou de despreparo, mas sim todo um processo de deficiências também herdadas de administrações anteriores, o que forma hoje um painel que impossibilita ações coerentes de toda uma corporação. Desde as primeiras horas do dia até o momento em que se despe da farda, para no intuito de buscar o merecido descanso, o PM é submetido a uma rede de tensões dificuldades que o deixa à beira de um ataque de nervos, como muitos deles se referem.

Redução dos salários

O presidente da Associação dos Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar, o subtenente reformado Vanderlei Ribeiro, 57 anos, classifica a situação como vergonhosa. Ele é uma das poucas vozes que critica ferozmente o que classifica como verdadeiro estado de abandono por que passa a categoria. De inicio, ele ataca os baixos rendimentos salariais dos soldados, que acabam por conferir um aspecto humilhante aos profissionais de segurança.

– Nos últimos anos, deixou-se de investir na polícia de tal forma que houve uma defasagem de 57% nos salários. Tentamos negociar com o governo da Rosinha Garotinho. Não um aumento, mas sim uma recuperação financeira. Após muita insistência, ela só conseguiu fixar um acréscimo de 17% na folha de pagamento e isso parcelado em cinco vezes, o que não significa quase nada em termos de ganhos. Atualmente, um PM recebe um salário de apenas R$ 800, quando, segundo os nossos cálculos, ele deveria receber, pelo menos, 10 salários mínimos (cerca de R$ 3.500) para que pudesse manter uma vida com dignidade – explica o presidente da associação.

Sem gasolina, sem carro

Ainda numa referência a números, Vanderlei diz que até as pensionistas de policiais militares são prejudicadas com o descaso dos investimentos. Ele acrescenta que, como se não bastasse, a tragédia de perder o marido em circunstâncias que remetem a todos a um lúdico clima de guerra, elas passam a usufruir do ínfimo direito à metade do salário como pensão para sobreviver, ou seja, R$ 400.

A discrepância apresentada em números acarreta em conseqüências mais danosas do que se imagina durante o trabalho dos policiais. Segundo Vanderlei, o atual governo teria reduzido em 30% a verba destinada para a manutenção de veículos. São menos R$ 38 milhões destinados à reforma das viaturas.

Além da grande maioria não possuir blindagem, há uma verdadeira aberração quando se trata de ações em comunidades de riscos. Nos casos mais extremos, os carros sequer podem sair dos batalhões, pois falta gasolina. Com isso, o patrulhamento pela cidade é diretamente comprometido. Em situações de conflito, o numero de policiais não condiz com o perigo a que são submetidos. Isso quando o potencial bélico dos marginais surpreende a própria corporação. Já houve casos em que foram mandados apenas 4 policiais em uma operação com cerca de 20 traficantes com fuzis — diz Vanderlei.

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Um problema histórico por natureza

A socióloga Jaqueline Muniz concluiu um dos mais importantes estudos sobre o passado brutal das instituições policiais. As análises, ricas em detalhes sobre o comportamento e a formação estrutural da Polícia Militar desde os tempos do Brasil-Império, resultam em sua tese de doutorado, intitulada “A crise de identidade das Polícias Militares brasileiras: dilemas e paradoxos da formação educacional”.

Uma revelação intrigante esmuiçada no documento refere-se à Constituição de 1988, três anos após o termino da ditadura militar. Pela primeira vez, o termo Segurança Pública é restrito aos assuntos policiais e começa a ter um tratamento diferenciado no Congresso, afastando-se completamente das questões ligadas à Segurança Nacional, uma das principais resoluções dos “anos de chumbo”.

O texto informa sobre a evolução das instituições policiais a partir de 1808, bem como um paralelo sobre que tipo de atuações os governos tiveram em relação a elas.

PMs em caldeirões

O grau de estresse dos PMs é potencializado em decorrência da exaustiva carga horária. Muitos se submetem a uma jornada que facilmente ultrapassa 80 horas semanais. A categoria não recebe adicionais noturnos, assim como de insalubridade, além da hora-extra. 0s dias de folga, raros, não são aproveitados como deveriam, pois para compensar os baixos salários, os policiais se submetem a uma outra jornada de trabalho como seguranças particulares, os chamados “bicos. Entre outras conseqüências, o distanciamento da família é inevitável.

– Ele (o policial) é desrespeitado como profissional e até como pai. Estamos produzindo uma geração de famílias desestruturadas. Prova disso é o registro de cerca de 1.200 processos judiciais de separação na área cível — explica Vanderlei.

Não há um acompanhamento psicológico que seja capaz de produzir programas preventivos para monitorar a saúde dos policiais militares. A situação piorou sensivelmente quando foram instalados nas comunidades de maior risco os chamados batalhões comunitários, que serviriam para coibir o tráfico de drogas nesses locais. A medida é vista pela associação como um envio dos PMs para um caldeirão.

A solução seria integrar as polícias

Mas quais seriam as soluções apontadas para qualificar e humanizar a postura da Polícia Militar? Para essa resposta, Vanderlei e a cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, um dos mais conceituados em pesquisas sobre Segurança Pública e Justiça Criminal, Silvia Ramos, concordam de forma veemente: É preciso unificar as forças policiais em torno de uma única coordenação estratégica integrada.

– Há uma série de distorções que precisam ser corrigidas. A estrutura que temos é pouco inteligente, pois confere atribuições diferentes a polícias distintas. A PM, por exemplo, se concentra somente na prisão de bandidos, mas não tem poder de dar continuidade a processos de investigação como a Polícia Civil – explica Sílvia.

Ainda de acordo com a cientista social, as policias deveriam ter autonomia para tratar de assuntos locais, não sendo subordinadas aos governos federal e estadual. Se somente as prefeituras se responsabilizassem pela segurança em suas cidades haveria um controle externo muito maior.

– Um nítido exemplo dessa sobrecarga de lideranças sobre as autoridades policiais é a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública. O que deveria ser uma fonte de investimentos já começou operando com poucos recursos. No governo Lula, o contingenciamento do Fundo foi de R$ 170 milhões para R$ 64 milhões. O ideal é que se criasse uma versão do Sistema Único de Saúde (SUS) para proteger criminalmente os cidadãos — relata Sílvia.

Um pequeno passo para essa unificação foi dada na última terça-feira. Um acordo de cooperação técnica oficializado entre prefeitura, governo do estado e governo federal selou a criação do Centro de Inteligência de Segurança Pública (Cisp) que vai monitorar atividades consideradas suspeitas durante os Jogos Panamericanos de 2007. Por enquanto, a iniciativa será implatantada somente para os eventos internacionais de grande porte.

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