Bonde do bem

O que leva um grupo de quase cem pessoas a passar a noite de sexta ouvindo gente falando de política e de segurança pública? Foi o que aconteceu na última semana.

Espremidos na espaçosa sala do apartamento de Flora e Gilberto Gil, com o barulho do mar de São Conrado ao fundo, nomes como Caetano Veloso, Wagner Moura, Scarlet Moon, DJ Marlboro, Fernanda Abreu, Regina Casé, Júnior do Afroreggae, Bia Lessa, Perfeito Fortuna e Barretão avançaram a madrugada numa conversa com o antropólogo Luiz Eduardo Soares, candidato a deputado federal pelo PPS, e Alfredo Sirkis, candidato a senador pelo PV.

Estavam todos ali para tirar do armário temas malditos, como polícia e drogas. Havia policiais civis e militares, rappers, professores universitários e artistas. O funkeiro MC Leonardo disse que há um problema de comunicação entre o morro e o asfalto, e que só os músicos conseguem falar com a favela.

– Dentro do ônibus ninguém quer se sentar ao meu lado. Se pergunto as horas, as pessoas se assustam. Não tenho dinheiro, sou negro. Então, não é para playboy que faço minhas músicas. Além disso, tem que entupir as comunidades de creches.

A propósito, falou-se no absurdo que é a falta de planejamento familiar, permitindo o número enorme de adolescentes pobres grávidas, mas Sirkis contra-argumentou que, pela curva demográfica, vamos ter no Rio um crescimento negativo a partir de 2010. Até lá…

DJ Marlboro foi mais radical:

– Tem que instalar uma guilhotina para cortar a mão de quem rouba no Congresso.

O que ia ter de político maneta…

Um morador do morro falou que os “favelados” não têm acesso à informação por falta de dinheiro, e por isso recorrem à GatoNet e à VeloxGato – ou seja, à Net e à Velox pirateadas. Houve também quem fizesse referência à quarta facção criminosa: depois do Comando Vermelho, do Terceiro Comando e do ADA, vem o Comando Azul, formado pelos policiais corruptos.

O cineasta José Padilha, de “Ônibus 174”, disse que o Brasil pratica terrorismo de estado, no que alguém lembrou que só em 2005 os policiais do Rio mataram 1.098 pessoas, enquanto que nos Estados Unidos os policiais eliminaram em todo o país, no mesmo período, apenas 200. Logo em seguida, uma mulher se levantou e se apresentou como policial rodoviária federal. Momento de suspense.

– Hoje parece crime falar em direitos humanos. Emprego da força é legítimo, mas uso da violência é ilegítimo. Devemos exigir de todos que se aja dentro da legalidade. Senão, vai-se chamar quem?

Ajoelhados no chão, por falta de cadeiras, Caetano e Maria Paula ouviam Luiz Eduardo falar que as instituições públicas estão aos pedaços e que a cidade precisa restaurar as condições de convívio, recuperar a cordialidade e reinventar as pontes. Anderson Sá, do Afroreggae, disse que acabou de chegar do Harlem, bairro negro de Nova York.

– Não é miserável como as favelas daqui.

Defendeu-se a importância de discutir a legalização das drogas. Sirkis falou que, por ano, morrem no Rio menos de cem pessoas por overdose de cocaína.

– E quantas morrem pela guerra econômica? Mais de 6 mil.

Julita Lemgruber, que já comandou as cadeias do estado, disse que uma pesquisa mostra que o judiciário de São Paulo é mais conservador do que o do Rio. Ou seja, lá é mais difícil para o preso conseguir benefícios.

– Isso é um dos motivos de tensão – contou.

Passava de uma da manhã e os convidados ainda continuavam a sugerir soluções para reduzir as desigualdades e a criminalidade no Rio.

– É o bonde do bem – alguém logo apelidou o grupo.

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