Especialistas que defendem a descriminalização do consumo de drogas ouvidos pela Folha lamentaram a posição do papa Francisco em seu discurso na noite de quarta-feira (24), no Rio, quando criticou iniciativas que estariam “deixando livre o uso das drogas”.
“Lamentavelmente, o papa se equivoca ao relacionar as políticas antiproibicionistas com uma ideia de liberou geral, de anarquia, quando é justamente o contrário”, disse a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.
“As pessoas que defendem a legalização a querem com regulação, com ação do Estado. Hoje, as drogas são proibidas e, mesmo assim, o consumo cresce no mundo.”
A jurista Maria Lúcia Karam, membro da ONG internacional Leap (Law Enforcement Against Prohibition), disse que o papa “irá compreender, mais cedo ou mais tarde”, que os sofrimentos causados pela proibição são maiores do que os do vício.
“Essa política de guerra às drogas é inconciliável com os valores cristãos. Ela provoca violência, morte, está enchendo os cárceres do mundo todo”, disse. “A legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas é fundamental para por fim a esses sofrimentos.”
Os especialistas elogiaram a figura do papa, por seu perfil carismático e humanista, mas afirmaram que ele está mal orientado no tema.
“Ele tem uma postura que é extremamente inspiradora e positiva e, por tudo isso, eu tinha uma esperança muito grande de que ele pudesse vir a se tornar uma liderança positiva nas áreas mais importantes da experiência coletiva global”, disse o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
“Essa opinião é profundamente equivocada. É muito bem intencionada, ninguém duvida, mas está na contramão do que os pesquisadores têm encontrado crescentemente. A proibição está na raiz de todos os problemas mais importantes e da violência associada às drogas.”
Soares afirmou ainda que, em sua crítica, Francisco deixou de se referir a substâncias lícitas como álcool e tabaco, cujo consumo e a dependência estão muito mais disseminados entre a população, com maiores danos.
“Se ele está convencido de que a proibição é necessária, teria, por uma questão lógica, de estendê-la ao álcool e ao tabaco. Será que o papa está disposto a arcar com o corolário da sua própria proposição?”, perguntou.
Pedro Abramovay, professor da FGV-Rio e ex-secretário nacional de Justiça, fez uma interpretação positiva do discurso papal.
“Me conforta ouvir que a maneira [de lidar com os usuários] que ele enfatiza é a do tratamento, da saúde, da caridade, e não a da prisão, que é o que vem sendo aplicado em boa parte da América Latina e do mundo.”