O governo federal gastou 158% a mais na divulgação das ações de reforço das Forças Armadas no Estado do Rio de Janeiro do que com a própria operação das tropas.
De acordo com dados obtidos com exclusividade pelo UOL via Lei de Acesso à Informação, até agosto, foram gastos R$ 4.004.000 na divulgação da ação, batizada de “O Rio quer Segurança e Paz”.
Já desde o começo da GLO (Garantia de Lei e Ordem) que autorizava a presença das Forçadas Armadas no Estado, assinada pelo presidente Michel Temer no final de julho, R$ 1.551.849,81 foram destinados às operações e custeio da presença dos cerca de 8,5 mil agentes da Aeronáutica, Exército e Marinha no Estado.
De acordo com o governo, esse valor foi gasto em propagandas de TV e em “mídia exterior eletrônica” veiculados no Rio, São Paulo e Brasília entre 1 e 17 de agosto.
Ao todo, R$ 904 mil partiram da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, e R$ 3,1 milhões de verbas do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.
Estão previstos R$ 6.977.391,20 em gastos com a GLO, que segue até 31 de dezembro e deve ser renovada até o final de 2018. Os gastos incluem diárias e passagens, “material para emprego” e serviços de apoio à operação distribuídos entre os comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Os militares, segundo o UOL apurou, atuam em apoio às forças de segurança do Estado, não participando do policiamento ostensivo. Entre as atribuições estão ações de cerco e inteligência, com foco monitoramento de comunicações e informações relacionadas aos narcotraficantes.
Para a socióloga e coordenadora do Centro do Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, Julita Lemgruber, a diferença entre os gastos do governo com a propaganda da GLO e com as tropas é vergonhosa. “Isso é vergonhoso. Num momento em que a segurança pública passa por uma crise de legitimidade e de operacionalidade, a gente ter conhecimento que o governo federal gastou absurdamente mais com propaganda é chocante”, afirmou.
Além de criticar a diferença nos gastos, Lemgruber classifica as recentes ações das Forças Armadas no Rio de Janeiro como “midiáticas e espetaculares”.
“Não adianta fazer marketing de algo que, no fundo, todos sabem, são apenas ações espetaculares e midiáticas”, disse.
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz que ações de comunicação em intervenções militares são necessárias, mas pondera que a diferença entre o que foi gasto com tropas e o que foi gasto em propaganda sobre as operações chama atenção.
“Isso chama ainda mais atenção porque ao longo dessa operação, houve momentos em que os militares afirmaram que não havia mais dinheiro para as tropas saírem às ruas do Rio de Janeiro”, disse o diretor-presidente.
Renato Sérgio de Lima afirma que se a ação militar não for planejada, não “tem propaganda que dê jeito”.
“As ações de comunicação são necessárias, mas sozinhas não vão resolver o problema. Não tem propaganda que dê jeito. A forma como as ações das Forças Armadas no Rio foram implementadas mostra que era mais uma tentativa de dar uma resposta para a população do que de fazer as coisas funcionarem efetivamente”, afirmou.
Procurado pelo UOL, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário informou que não iriam se posicionar a respeito do gasto.
Nesta sexta, após a publicação da reportagem, o Ministério da Defesa informou, em nota, que foram repassados R$ 25 milhões do total de R$ 47 milhões previstos pelo Plano Nacional de Segurança para custeio de operações com emprego de militares das Forças Armadas, “de forma a contribuir com ações de Segurança Pública no combate a ilícitos, especialmente, no Rio de Janeiro”.
“Cabe destacar que estamos no terceiro mês de execução de operações que deverão durar 17 meses. Portanto, os recursos são utilizados de acordo com o planejamento e à medida em que as ações envolvendo militares das Forças Armadas forem demandadas”, afirma o ministério.
Para a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, a comparação não se justifica uma vez, segundo o governo, não representa o total dos investimentos do governo federal nesta operação. A Secretaria, no entanto, não informou qual seria esse gasto.
COM TANQUES, EXÉRCITO SOBE A ROCINHA
Crise de segurança
O Rio passa por uma escalada de violência. Nesta quinta-feira (26), o comandante do 3º BPM (Méier), tenente-coronel Luiz Gustavo de Lima Teixeira, 48, foi assassinado a tiros no Meier, na zona norte da capital fluminense. Mais cedo, uma adolescente de 12 anos foi vítima de bala perdida quando deixava uma festa evangélica na Rocinha, favela na zona sul.
Desde o mês passado, traficantes se enfrentam pelo controle da venda de drogas na região da Rocinha, na zona sul da capital fluminense. Por uma semana, quase mil homens das Forças Armadas e polícias fizeram um cerco à favela –parte do contingente de cerca de 8,5 mil militares que reforçam a segurança no Estado desde o fim de julho.
Em agosto, o governo do Rio decidiu reduzir em 30% o efetivo das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) como forma de aumentar o número de policiais nas ruas, movimento que foi considerado um recuo no programa implantado em 2008 para tentar retomar áreas dominadas pelo tráfico de drogas.
Pesquisa Datafolha mostra que, se pudessem, 72% dos moradores dizem que iriam embora do Rio por causa da violência. O desejo de deixar a cidade é majoritário em todas as regiões e faixas socioeconômicas –foram ouvidas 812 pessoas, e a margem de erro do levantamento é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos.
Nas últimas semanas, segundo o Datafolha, um terço dos moradores mudou sua rotina e presenciou algum disparo de arma de fogo. O levantamento revela que 67% das pessoas ouviram algum tiro recentemente.
Ao longo da última década, o Estado do Rio de Janeiro recorreu formalmente à intervenção das Forças Armadas 12 vezes. Só nos últimos 12 meses, o reforço foi acionado em quatro momentos: durante as Olimpíadas (agosto de 2016), nas eleições (outubro de 2016), na votação do pacote de austeridade na Assembleia Legislativa (fevereiro de 2017) e agora, no reforço da segurança.
As GLOs, como são chamadas, dão poder de polícia aos militares e foram autorizadas pela União a pedido do governo fluminense. A frequência da presença das Forças Militares, no entanto, gera dúvidas sobre a sua real eficácia.
(*Colaborou Luciana Amaral, de Brasília)