Analistas acreditam que número é inflado por prisões provisórias e por consumidores que acabam enquadrados como traficantes
O número de detentos que ingressaram no sistema prisional do Estado do Rio enquadrados na Lei Antidrogas (11.343/06) cresceu 465% em cinco anos. Entre condenados e presos provisórios, os ingressos ligados ao tráfico passaram de 1.391 para 7.861 de 2010 a 2014.
Essa quantidade poderá ser superada em 2015, pois neste primeiro semestre o sistema já recebeu 4.428 internos. Os dados são da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap).
O crescimento dos ingressos relacionados à Lei Antidrogas teve ritmo maior que os ingressos gerais, de todos os tipos de crimes, que foram de 14.166 em 2010 a 32.099 em 2014 (mais 127%). Para especialistas, a linha tênue que separa o tráfico e o consumo de drogas faz com que muitas pessoas que deveriam responder por porte de entorpecentes sejam processadas como traficantes. Isso acontece, segundo eles, principalmente com os mais pobres, moradores de comunidades dominadas por quadrilhas e facções.
Criminalmente, a diferença entre uso e venda determina a ida ou não para a cadeia. O porte de drogas para consumo próprio não prevê detenção – só advertência ou medida educativa. Já o tráfico pode resultar em pena de cinco a 15 anos de prisão. Atos como instigar ou ajudar alguém a consumir drogas, podem ser punidos com encarceramento por até três anos.
A lei, entretanto, não define com clareza que quantidades e circunstâncias configuram porte para consumo pessoal. O defensor público Fábio Amado, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio, observa que muitos usuários acabam enquadrados como traficantes pela condição social. “Muitas vezes ele é acusado pelo mero fato de morar em uma comunidade, sem qualquer elemento nos autos de estar associado ao tráfico”, disse o defensor.
A socióloga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, diz que a prisão provisória por tráfico costuma ser rotineira, o que superlota as cadeias. Estudo coordenado por ela constatou que a prisão provisória, em processos por tráfico de 2011, era mantida até o julgamento em 98% dos casos – em 30% deles houve soltura após a sentença.
“É um absurdo que a gente esteja ocupando espaço na prisão com um preso que não tem perfil violento. São pouquíssimo os acusados que se enquadram no perfil de grandes traficantes e pessoas perigosas”, afirmou Julita, para quem existe estigma de juízes em relação ao tráfico, o que contribui para as prisões serem mantidas provisoriamente.
O diretor da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes, acredita que a política de “guerra às drogas” não trouxe resultados positivos. “O fracasso dessa política está cada vez mais evidente no mundo, mas há uma inércia, uma dificuldade de aprovar qualquer mudança. O que está mudando (esse paradigma) são iniciativas criativas, como uma represa que vai sendo furada aos poucos”, afirma ele, citando a orientação da Defensoria Pública do Rio para que seus defensores tentem anular processos contra consumidores e evitar que usuários de entorpecentes sejam processados como traficantes.
Para o presidente da Associação de Delegados de Polícia do Estado do Rio (Adepol-RJ), Wladimir Sérgio Reale, a legislação brasileira já foi “bem suavizada” na questão do porte de drogas. Ele afirmou que o porcentual de erros na tipificação do crime de tráfico é muito pequeno.
“Isso passa pela apreciação do delegado, vai para o juiz, passa pelo Ministério Público. Não é possível que depois disso haja prisão a torto e a direito de elementos”, disse o delegado.