Foram 1.444 falecimentos até novembro deste ano, segundo dados oficiais. Já a plataforma Fogo Cruzado registrou mais de 8.000 ocorrências desde o decreto do presidente Michel Temer
O Rio de Janeiro vive sob uma intervenção federal na área de segurança pública que se aproxima de seu final, marcado para 31 de dezembro. Mesmo ainda sem os dados de dezembro, 2018 foi o ano com o maior número de mortes causadas por policiais no Estado desde que se iniciou a série histórica, em 2003. Foram 1.444 mortes até novembro, segundo os dados divulgados nesta terça-feira do Instituto de Segurança Pública (ISP), autarquia vinculada a Secretária de Segurança Pública. Isso significa, até o momento, 4,3 mortes por dia. Com os dados de dezembro, ainda não computados, a cifra deve ultrapassar as 1.500 mortes.
Os dados também significam um aumento de 39% em relação ao mesmo período, janeiro a novembro, do ano passado, quando foram registradas 1.042 ocorrências. O recorde anterior era de 2007, ano anterior à implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, quando o ISP contabilizou 1.330 homicídios decorrentes de intervenção policial. A partir de então os números começaram a cair e atingiram um mínimo de 416 mortes em 2013. A partir do ano seguinte as ocorrências voltaram a subir.
O recorde vem acompanhado do aumento do número de tiroteios durante o período da intervenção, que foi decretada em 16 de fevereiro deste ano, quando o general quatro estrelas Walter Braga Netto foi designado pelo presidente Michel Temer como interventor federal, uma espécie de governador da área de segurança pública . A plataforma Fogo Cruzado registrou 8.237 ocorrênciasdesde o início da intervenção até às 9h da manhã do último 15 de dezembro. Nos mesmos 10 meses do ano anterior foram 5.238 tiroteios. Além disso, analisando os 10 meses anteriores a intervenção, entre os dias 16 de abril de 2017 até 15 de fevereiro deste ano, foram 5.669 tiroteios.
A intervenção federal explica que as corporações policiais recuperaram sua capacidade operativa, sucateada ao longo dos anos. Isso significa mais policiais e viaturas nas ruas e, consequentemente, mais operações e mais criminosos mortos. “Mas se isso é assim, se o confronto ficou mais violento e por isso há mais vitimização, por que não aumentou o número de policiais mortos em confronto?”, questiona Pablo Nunes, cientista político e coordenador de pesquisa do Observatório da Intervenção, vinculado ao Centro de Estudos e Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes. Um total de 31 policiais militares e civis mortos foram mortos em serviço de janeiro a novembro de 2018, exatamente o mesmo número desse mesmo período no ano passado. Esse aumento de mortes poderia significar um melhor treinamento dos policiais na hora dos confrontos, assim como um aumento de execuções fora do contexto de legítima defesa — ou seja, casos de violência policial, algo recorrente na história do Rio.
“É muito difícil fazer essa análise [sobre os dados de 2018] porque depende de uma análise qualitativa [dos detalhes do crime] dos registros de ocorrência, algo que não temos acesso. Além disso, esses registros são pobres com relação ao estudo dessas dinâmicas”, pondera Nunes. Seja como for, o Observatório considera que os índices são resultado de uma “reafirmação da estratégia de confrontos armados, gastos concentrados em grandes operações e a ausência de uma reforma estrutural da política de segurança”.
Outros índices melhoraram sensivelmente. De janeiro a novembro deste ano, o ISP contabilizou 4.595 homicídios dolosos, enquanto no mesmo período do ano passado foram 4.901 (queda de 6%). Já o indicador de letalidade violenta (homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e morte por intervenção de agente do Estado) subiu 1% no último ano, de 6.201 para 6.248 ocorrências.
Apesar de uma maior mobilização de efetivos policiais e do Exército, através de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, os roubos de rua aumentaram 4% no último ano. Por sua vez, os roubos de carga caíram 11% de 2017 para 2018 — embora tenham voltado a aumentar desde setembro deste ano, coincidindo com uma queda no número de operações policiais. “Houve uma aposta novamente em operações policiais, que é um tipo de estratégia que pode sim dar resultado no curto prazo, mas que se não for acompanhado de investigação para tentar entender a cadeia completa do crime, passados alguns meses esses crimes voltam a crescer. É o que acontece com os roubos de carga”, explica Nunes.
O momento é de incerteza. O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que não manterá a intervenção no Rio, que impede que o Congresso altere a Constituição via projetos de emenda. Em janeiro, o governador eleito Wilson Witzel (PSC) assume o cargo após uma campanha em que prometeu abater criminosos armados, mesmo que não representem um risco para a vida do policial. “O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo!”, disse em entrevista ao Estado de S. Paulo. Caso cumpra sua promessa, os índices de mortes causadas por policiais poderão disparar ainda mais.