Mortes por policiais triplicam em outubro no Rio, apesar da restrição de operações pelo Supremo

Tércio Teixeira / Folhapress

Autores de ação que restringiu as operações enviaram petição ao STF alertando sobre descumprimento da medida

RIO DE JANEIRO As mortes por intervenção de agentes do Estado triplicaram em outubro no Rio de Janeiro em relação ao mês anterior, indicam dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) divulgados nesta quarta-feira (25).

O salto ocorre a despeito de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que desde junho proíbe operações policiais em comunidades do estado, enquanto durar a pandemia do novo coronavírus.

Em outubro, foram 145 mortes por policiais em comparação a 52 em setembro. O índice voltou a se equiparar aos registrados antes da decisão do Supremo.

Em junho, o ministro Edson Fachin decidiu, no contexto da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, que enquanto durasse o estado de calamidade pública decorrente da pandemia as operações só poderiam ocorrer em casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público. A restrição foi confirmada em agosto no plenário, pela maioria dos ministros.

De junho a setembro, as operações foram reduzidas e as mortes por intervenção caíram drasticamente. O movimento também foi acompanhado por uma diminuição nos crimes violentos, como homicídios dolosos, o que levou pesquisadores e moradores de comunidades a novamente questionar a eficácia de uma política de segurança pública voltada ao enfrentamento.

Em outubro, junto ao aumento das mortes policiais, também cresceram os crimes violentos letais intencionais, que passaram para 281, em comparação a 246, em setembro.

Antes da divulgação dos dados oficiais do ISP, nesta quarta-feira, a Rede de Observatórios da Segurança já havia alertado para o aumento das operações policiais e das mortes decorrentes dessas ações. O grupo realiza um levantamento próprio, baseado no noticiário, que não dá conta de todos os casos, mas que ajuda a apontar tendências.

Segundo Pablo Nunes, pesquisador do observatório, o mesmo aumento está sendo observado em novembro.

Com base no levantamento da rede, os autores da ADPF 635 enviaram na semana passada uma petição ao ministro Fachin, alertando que as polícias do Rio estão desrespeitando a decisão do Supremo.

Na peça, os autores pedem que o governador interino Cláudio Castro e os secretários da Polícia Civil e Militar sejam intimados para prestar informações sobre as operações realizadas desde a restrição determinada pelo STF.

“Confirmada a queda de todos os indicadores de violência, contrariando teses sabidamente autoritárias, discriminatórias e violadoras de direitos que associam o confronto à efetividade das políticas de segurança pública, fica então a pergunta inevitável: o que justifica o recrudescimento das operações policiais, em afronta direta às determinações da Corte Suprema do país?”, questiona a petição.

Em entrevista ao jornal O Globo, em setembro, o delegado Allan Turnowski sugeriu que a violência no Rio de Janeiro se enquadraria numa situação de exceção e que, portanto, não haveria desrespeito à decisão do Supremo com a continuidade das operações. Ele assumiu a chefia da Polícia Civil quando o governador Wilson Witzel (PSC), responsável pelo endurecimento na segurança pública, foi afastado do cargo por suspeitas de corrupção.

“Na verdade, a violência no Rio não é um caso de exceção? Quando o STF afirma que a polícia só pode trabalhar em situações de exceção, estamos totalmente respaldados. Isso não impede as ações da polícia. Já estamos alinhados com a decisão”, afirmou Turnowski ao jornal.

O advogado constitucionalista Daniel Sarmento, um dos autores da ADPF movida pelo PSB, diz que o estado está desobedecendo o Supremo de maneira “sistemática e declarada”. “A própria decisão [do ministro Fachin] diz que o descumprimento gera responsabilidade civil, administrativa e penal. Descumprir uma decisão do STF é extremamente grave”, afirma à Folha.

Sarmento voltou a defender a necessidade de o Estado do Rio ser obrigado a criar em até 90 dias, junto à sociedade civil, um plano de segurança visando a redução da letalidade policial e o controle de violações dos direitos humanos. O pedido constava na ADPF e foi rejeitado pela maioria dos ministros do Supremo.

“A cautelar que reduziu o número de mortos, sem gerar aumento da criminalidade, vale durante a pandemia. Uma hora vai acabar. É preciso uma solução sistêmica para isso, e o Estado se recusa a adotar parâmetros de direitos humanos nas suas operações policiais”, afirma.

Em nota, as secretarias de Polícia Civil e Polícia Militar afirmaram que respeitam integralmente a decisão do STF e que vêm comunicando as excepcionalidades diretamente ao promotor responsável pela ação no Ministério Público.

O texto também afirma que as operações realizadas são planejadas com base em informações da área de inteligência e seguem, rigorosamente, as determinações legais, priorizando a preservação de vidas, tanto de policiais como de moradores.

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