Entre os desafios: avançar em políticas de infraestrutura social e urbana. Ofensiva de traficantes de drogas contra a polícia preocupa moradores.
Após uma série de ataques a Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) assustar moradores e deixar as forças de segurança em alerta, o G1 ouviu especialistas para saber se a política de pacificação está no rumo certo e o que pode ser melhorado. Jacqueline Muniz, professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), diz que um dos principais desafios do projeto das UPPs e do processo de pacificação é a integração entre as diversas forças dos governos estadual e municipal.
Para a pesquisadora, é preciso avançar nas políticas de infraestrutura social e urbana nas áreas pacificadas a fim de evitar que o policial militar seja o único representar o estado dentro de uma comunidade. “Não é tão somente com a presença da polícia que se poderá garantir a estabilização de território. A polícia quando chega produz a paz civil, mas não é capaz, nem aqui e nem em nenhum lugar, produzir a paz social”, afirmou Jacqueline Muniz, acrescentando que a PM não pode enfrentar esse desafio sozinha: “A impressão que dá é que a Polícia Militar é uma andorinha sozinha, tentando fazer o verão da proximidade, da pacificação”.
Em 2014, foram registrados sete ataques a favelas com UPPs no Rio, como mostrou o G1. Quatro policiais militares foram mortos em confronto com traficantes entre fevereiro e março. Eles eram lotados nas unidades dos conjuntos de favelas do Alemão e da Penha, no Subúrbio do Rio. No mesmo período, em 2013, só houve registro de um agente morto em serviço.
‘Tráfico não iria continuar de braços cruzados’, diz especialista
Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber, a ampliação da política de instalação de UPPs no Rio pode comprometer o gerenciamento do projeto. A razão, segundo ela, é uma só: os traficantes de drogas não permaneceriam de braços cruzados diante da perda de território.
“Na medida em que aumenta o número de UPPs, há uma clara indicação de que o gerenciamento destas unidades se torna mais difícil. Quando você tinha meia dúzia, a supervisão do trabalho dos policiais era mais fácil. A tentativa de aprofundar laços positivos com a comunidade era mais fácil, pois era o início do processo. Quando esse número aumenta, isso, naturalmente, se torna um projeto mais difícil de gerenciar. É evidente que o tráfico não iria continuar de braços cruzados observando a instalação de novas UPPs”, afirma Julita.
Neste aspecto, a professora Jacqueline Muniz discorda da opinião da socióloga. Para ela, o problema de gestão das UPPs não tem a ver com a quantidade das unidades instaladas, mas com a qualidade. “São desafios internos que o programa enfrenta e que envolve vários fatores e que já aconteciam no início das UPPs. O processo não começa e termina na PM. É um programa de segurança pública que envolve Polícia Civil, Guarda Municipal, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e outros órgãos da Prefeitura”, explica.
Correção de rota
Sobre os recentes ataques, Jacqueline Muniz articulação ao governo para consolidar a política de pacificação. “A maior ameaça às UPPs não são esses ataques, por mais trágicos que eles sejam. A maior ameaça está dentro do governo, da própria dinâmica da articulação para consolidar o projeto. É hora de firmeza e correção de rota”, completou.
Para Julita Lemgruber, a sustentação do projeto depende de um ciclo completo de policiamento e inteligência. “São cinco dimensões essenciais nos territórios: polícia de emergência, patrulha ostensiva, operações especiais, investigação e inteligência. Isso antes, durante e depois das UPPs”, explicou.
Crise na polícia afeta UPPs, diz antropóloga
A antropóloga e ex-presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), Ana Paula Miranda, acredita que uma crise dentro da polícia afeta diretamente as UPPs. “A Secretaria de Segurança apostou todas as moedas na UPP e acho que estamos vendo a UPP sofrer o mesmo problema que o Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) sofreu: ataques do tráfico e sabotagens internas. O projeto da UPP não conta com apoio integral dentro da polícia. Tem pesquisas que dizem que policiais não acham que a UPP é solução. Há uma crise interna da polícia”, afirmou. Os GPAES precederam as UPPs no policiamento comunitário em favelas do Rio.
A Secretaria de Segurança do Rio afirmou que é preciso avançar no programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) para “sufocar” o tráfico. Em nota enviada ao G1, o órgão acrescenta que a consolidação do projeto é feita através da polícia judiciária [Polícia Civil] e que investigações e prisões têm sido feitas.
De acordo com a secretaria, segurança pública não é um problema exclusivo das polícias, mas envolve educação, controle de fronteiras, leis atualizadas, justiça ágil, presídios que recuperam, investimentos constantes, tempo e alinhamento estratégico a nível nacional.
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirmou quinta-feira (20), após os ataques, que o programa trouxe avanços significativos na segurança da maioria das comunidades ocupadas. Apesar disso, Beltrame reconhece a dificuldade enfrentada em duas delas, Alemão e Rocinha, onde os confrontos e ataques a policiais têm sido frequentes.
38ª Unidade
Depois de ocupar a Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio, governo deve implantar na comunidade, em breve, a 38ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da cidade — a terceira da Zona Oeste. As outras trinta e sete já instaladas contam com um efetivo de mais de 9 mil policiais. Segundo a Secretaria de Segurança (Seseg), 1,5 milhão de moradores foram beneficiados pelo projeto. A maior parte das unidades está instalada na Zona Norte, onde foram criadas 23 bases. Na Zona Sul, foram instaladas oito unidades e, no Centro, outras três. O projeto original prevê a criação de 40 unidades até o final do governo.