O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu hoje (2) pedido do governo do Rio de Janeiro para impedir a transferência de presos de alta periculosidade ao estado. Na petição, de 17 páginas, a alegação principal é de que a vinda dos cerca de 60 detentos, entre eles, Antônio Francisco de Bonfim Lopes, o Nem, pode causar “graves e irreparáveis lesões” à segurança e à ordem pública. O argumento do governo fluminense está em linha com as declarações do ministro da Defesa, Raul Jungmann, mas contraria a opinião de especialistas em segurança pública ouvidos pela Agência Brasil.
No fim de setembro, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou pedido de habeas corpus no STF em favor de todos os presos que estão há mais de dois anos em presídios federais. Segundo a DPU, acordos internacionais e a Lei 11.671, de 2008, limitam a um ano a permanência de presos em regime de isolamento 22 horas por dia, prazo prorrogável por mais 365 dias.
“No regime de isolamento, o preso permanece em uma cela de 9 metros quadrados, com direito a sair por duas horas. Após períodos prolongados de mais de dois anos, passa a desenvolver problemas psicológicos e mentais por conta do regime de isolamento, sendo a situação fator de degeneração, e não de ressocialização da pessoa”, argumenta a Defensoria. Nesse período de dois anos, os estados deveriam se adequar para receber os apenados de volta, tendo em vista que o objetivo do sistema é ressocializar, afirmam os defensores públicos.
Para o procurador-geral do estado do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, o ideal, no entanto, está longe da prática e o estado não está preparado para lidar com os riscos de atuação de bandidos perigosos, com base em relatórios da própria Secretaria de Segurança Pública. Na petição enviada ao STF, Espíndola afirma que, por causa da “natureza dos crimes [praticados pelos apenados] e a posição de liderança dentro das suas facções criminosas, é forçoso concluir que são de extrema periculosidade para o meio social e que comprometem, desta forma, a segurança pública”.
Reforma para a Lava Jato
Para o advogado Everaldo Patriota, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho Nacional de Direitos Humanos, o argumento do governo fluminense abre caminho para violação de direitos. Segundo ele, não há conflito entre os direitos dos presos e a segurança da população e o problema são as opções políticas. “Faltou fazer o dever de casa: preparar as cadeias estaduais para os presos perigosos”, disse.
Patriota lembrou que o Rio de Janeiro fez adaptações necessárias “a toque de caixa” para receber os presos da Lava Jato, como o ex-governador Sérgio Cabral. Em três meses, o governo reformou celas da Cadeia Pública José Frederico Marques, na zona norte, para onde transferiu o ex-governador e os demais detidos na Lava Jato. Foram investidos R$ 26 mil nas obras.
“Ou a gente opta pelo Estado de Direito ou rasga a Constituição. Não tem meio termo”, afirmou o conselheiro. “Rasgar o pacto civilizatório por uma conveniência de um estado que está falido, é muito perigoso. Daqui a pouco vamos admitir a prova ilícita e a tortura”, criticou.
Corrupção no sistema
Diretora do sistema prisional do Rio de Janeiro na década de 1990, a cientista social Julita Lemgruber defende que cada estado cuide de seus condenados. O Rio, que por anos contornou o problema enviando os presos para fora, segundo ela, terá que se adequar às pressas, inclusive combatendo a corrupção de agentes públicos no sistema.
“A gente não deve se enganar. O sistema é corrompido, o que precisa é neutralizar, da melhor forma possível, a corrupção dentro dos muros. Não é colocando vidros entre os presos e familiares, nem mantendo presos a 5 mil quilômetros da família que resolverá”, avaliou. “Não é possível manter presos do Rio fora do estado indefinidamente, à revelia das leis”.
Lemgruber criticou a proposta do ministro da Defesa, Raul Jungmann, de instalar parlatórios nos presídios, por meios dos quais os detentos se comunicariam apenas por telefone com as visitas. “Eles vêm isso em filmes e querem copiar. Não é o advogado, não é a família que leva celulares, chips, drogas e o diabo para dentro das cadeias. Sempre tem um funcionário que vai se corromper e vai levar. No Rio, as cadeias têm detectores de metais [para visitas]”, lembrou.
De acordo com a cientista social, que atualmente coordena o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania na Universidade Candido Mendes, a proximidade dos detentos com as famílias é fundamental. “Se há alguma possibilidade de o preso rever o seu estilo de vida, é essa convivência, a DPU está certa em sua argumentação”.
Segundo a DPU, 121 presos estão no regime de isolamento dos presídios federais de segurança máxima há mais de dois anos, o que corresponde a quase 20% dos 570 presos federais. O mapeamento foi feito entre 22 de junho e 5 de julho deste ano.