População carcerária feminina do Estado do Rio de Janeiro

 

Detalhe da capa do livro Prisioneiras: Vida e violência atrás das grades

OBJETIVO

Complementar pesquisa, iniciada em 1999, sobre mulheres presas no Estado do Rio de Janeiro, visando a traçar seu perfil, levantar sua situação no Sistema Penitenciário e conhecer as experiências de violência doméstica e institucional por elas sofridas na infância, na adolescência e/ou na vida adulta.

ATIVIDADES REALIZADAS

  • Sistematização do material de questionários e entrevistas aplicados em 1999 a 524 mulheres presas;
  • Montagem de um banco de dados;
  • Análise estatística e qualitativa dos resultados;
  • Elaboração de relatório final.

PUBLICAÇÕES

PRINCIPAIS RESULTADOS DA PESQUISA

Entre 1988 e 1999/2000, a população carcerária feminina do Estado do Rio de Janeiro cresceu 132% em números absolutos (36% a mais que a masculina) e a taxa feminina de encarceramento (número de presas em cada cem mil mulheres adultas) aumentou 85% (27% a mais que a masculina). Mas, mesmo assim, as mulheres continuam representando uma parcela muito pequena da população carcerária fluminense (3,7%) – ao contrário do que se poderia prever, quer como conseqüência da crescente participação feminina no mercado de trabalho, nos espaços públicos, e, portanto, da sua exposição crescente às oportunidades de cometer crimes, quer como efeito de um menor grau de tolerância do Sistema de Justiça Criminal para com os delitos cometidos por mulheres.

O estudo mostrou que o acréscimo da quantidade de presas na última década deve-se sobretudo ao aumento do número de mulheres condenadas por posse, uso e tráfico de drogas – crimes que, em 1988 correspondiam a 32,6% das condenações e em 2000 passaram a representar 56%. Em parte, pode-se atribuir essa elevação ao crescimento real do tráfico de drogas no estado, mas ela também reflete a centralidade conferida à política de repressão às drogas, especialmente no governo Marcello Alencar (1995-1998), e o fato de as mulheres em geral ocuparem posições subalternas ou periféricas na estrutura do tráfico, tendo poucos recursos para negociar sua liberdade quando capturadas pela polícia. Em menor escala, mas em proporções significativas, verificou-se também um aumento do número de condenadas por extorsão mediante seqüestro (inexistentes nas estatísticas de 1988).

A partir dos dados levantados pela pesquisa, ressaltam as seguintes características da população carcerária feminina no Rio de Janeiro:

  • Mulheres jovens, não-brancas e com baixa escolaridade estão sobre-representadas entre as presas; 76,1% das mulheres encarceradas têm entre 18 e 39 anos de idade, enquanto essa percentagem é de 46,7% no total da população feminina do estado). Entre as prisioneiras predominam as não-brancas (56,4%, contra uma participação de 35,4% na população feminina adulta do estado) e as mulheres com baixos níveis de escolaridade: 69% não completaram o primeiro grau (contra 41% no conjunto da população feminina adulta) e apenas 16,6% têm instrução igual ou superior ao secundário completo (contra 31,5% das mulheres com 18 anos ou mais de idade residentes no Rio de Janeiro).
  • Entre as presas, prevalecem as católicas, provenientes do próprio estado do Rio e de áreas urbanas. A grande maioria das mulheres encarceradas (74,8%) provém do próprio estado do Rio de Janeiro e de áreas urbanas (88,9%). Embora o número de mulheres que se declararam católicas (41,2%) fosse quase o dobro do número de evangélicas (26,1%), a maior parte das conversões ocorridas no interior das prisões se deu na direção do protestantismo (24,1%) e não na do catolicismo (6,9%).
  •  Cerca de 50% das presas eram domésticas ou trabalhavam no comércio. A grande maioria das mulheres encarceradas, na época em que ocorreu a prisão, trabalhava como doméstica ou exercia alguma tarefa no comércio. Dentro das prisões, 52,1% desenvolvem alguma atividade, remunerada ou não. Entre aquelas cujo trabalho é remunerado, 77,1% recebem entre R$55,00 e R$199,00. Destas, 94,1% são beneficiadas pelo regime de remição de pena, que reduz o tempo de prisão em um dia, para cada três dias trabalhados.
  • Quase metade das mulheres faz ou fez uso abusivo de drogas. A proporção de mulheres que afirmam abusar ou já ter abusado das drogas em algum momento da vida (42,2%) é consideravelmente maior do que a parcela das que declaram beber ou ter bebido demais (17,6%). Isso se deve, provavelmente, a uma tendência a minimizar os riscos do álcool, que, além de não envolver atividades ilegais, só gera dependência a longo prazo, ao contrário de outros tipos de drogas.
  • As mulheres presas estão imersas em histórias de violência. A violência foi e continua sendo um elemento constante na vida das mulheres entrevistadas, tanto do ponto de vista da experiência individual, quanto em relação aos parentes próximos. Mais de 95% foram vítimas de violência em alguma das seguintes situações: (a) na infância, por parte dos responsáveis; (b) na vida adulta, por parte dos maridos/companheiros e (c) quando foram presas, por parte de políciais civis, militares ou federais; 75% das presas sofreram violência em pelo menos duas dessas situações e 35% nas três circunstâncias.
  • Do total de presas, 72% disseram ter sofrido violência física, psicológica ou sexual na infância; 74,6% foram vítimas de um ou mais desses tipos de agressões no casamento e 57,1% disseram-se vitimadas em ambas as situações. Nas mãos da polícia, 68% das presas sofreram alguma forma de violência, como eDIVcamento, choques elétricos, xingamentos, humilhações, abuso sexual, ameaças de morte, afogamento, sufocação etc.). Somente na Polícia Civil, as mulheres citaram 71 diferentes delegacias onde esses atos foram cometidos, o que indica não se tratar de situações eventuais, mas de uma prática generalizada no estado.
  • Além disso, 31% das presas tiveram um ou mais companheiros assassinados, 20,6% tiveram pelo menos um irmão morto por homicídio e 9,5% perderam um ou mais irmãos e um ou mais companheiros vítimas de assassinato.

O estudo conclui que a maior parte das mulheres chega às prisões trazendo uma história prévia de maus-tratos e/ou abuso de drogas (próprio ou de familiares próximos). Isso não significa que tais experiências possam ser consideradas indutoras da criminalidade ou diretamente responsáveis pela entrada no sistema penal, pois certamente a maior parte das mulheres vítimas de agressão, assim como das dependentes de álcool e de outras drogas, está fora das cadeias e penitenciárias. O que os dados mostram é que a prisão, tanto pela privação da liberdade, quanto pelos abusos que ocorrem em seu interior, constitui apenas mais um elo de uma cadeia de múltiplas violências que conformam a trajetória de uma parte da população feminina. O ciclo da violência, que se inicia na família e nas instituições para crianças e adolescentes, perpetua-se no casamento, desdobra-se na ação tradicional das polícias e se completa nas penitenciárias, para recomeçar, provavelmente, na vida das futuras egressas.

Procurou-se chamar a atenção para as especificidades da população prisional feminina, que, por seu tamanho reduzido, comparativamente à masculina, não tem merecido uma atenção particular dos formuladores de políticas públicas: não tem havido esforços efetivos para compreender as motivações e circunstâncias em que ocorrem os crimes praticados por mulheres, não existem iniciativas no sentido de prevenir a criminalidade feminina, nem investimentos na concepção de uma política penitenciária específica para as presas. O estudo oferece subsídios para que se comece a superar essa absoluta negligência da questão de gênero no sistema prisional brasileiro.

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