A banda podre nas blitzes

Pesquisa mostra que 11% das pessoas abordadas pela polícia foram vítimas de extorsão

 

Uma pesquisa recém-concluída pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec-Ucam) revela que 11% das pessoas abordadas pela polícia foram vítimas de extorsão ou de tentativa de extorsão. Mais de um terço dos 2.250 entrevistados (37,8%) disse já ter sido parado. O levantamento mostrou ainda que a imagem da Polícia Militar está muito desgastada entre os cariocas: 67,6% dos ouvidos consideram a corporação muito corrupta; 56,9%, muito violenta e 82% afirmaram que a PM não tem sido eficiente em combater crises, como as ondas de arrastões e as guerras do tráfico. Apesar da avaliação negativa, a maioria (71,6%) apóia a continuidade das blitzes nas ruas.

— A pesquisa mostra que as pessoas querem a polícia, querem as blitzes, apesar de fazer muitas críticas — disse a psicóloga Silvia Ramos, pesquisadora do Cesec.

 

Polícia Militar fica com a menor média

Em relação a outras instituições de segurança, a imagem da PM também está muito desgastada. Na pesquisa do Cesec, os entrevistados deram notas de zero a 10 às forças públicas. A PM ficou com a menor média: 5,5, seguida da Guarda Municipal, com 5,6. Em alta, só mesmo o Corpo de Bombeiros, que conquistou o primeiro lugar com 9,1. O Exército ficou em segundo lugar com 7,8. Depois, a Polícia Federal, que ganhou 6,5; a Polícia Rodoviária, com 6,2; e a Polícia Civil, com 5,9. Os entrevistadores deixaram claro para quem respondeu ao questionário da pesquisa que a média era 5. Neste quesito, então, todos aprovados.

— Percebemos que, quanto mais freqüente é o contato da instituição com a sociedade, mais baixa é a nota. É o caso da Polícia Militar e da Guarda Municipal, que estão mais presentes nas ruas — explicou a professora do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisadora do Cesec Leonarda Musumeci.

A pesquisa “Abordagem policial, estereótipos raciais e percepções da discriminação na cidade do Rio” ouviu em junho e julho do ano passado 2.250 pessoas. Entre as que já foram abordadas pela polícia, 43% disseram ter sido parados mais de três vezes. Mais da metade estava na última abordagem sofrida em carro particular e quase 20%, a pé. A maioria das abordagens relatadas (91,7%) foi feita pela PM. Segundo dados da corporação, em setembro ocorreram 844 blitzes na cidade, nas quais foram interceptados 42.897 veículos.

— Percebemos que houve um aumento do número de blitzes como política de segurança. Tornou-se uma prioridade. Não é nem para prevenir o crime, mas para mostrar que a PM está na rua — analisou Leonarda Musumeci.

 

Jovens negros, os ‘freios de camburão’

Segundo Silvia Ramos, PMs ouvidos numa fase inicial da pesquisa admitiram que o objetivo das blitzes é muito mais dar visibilidade ao trabalho do que apreender armas, drogas e carros roubados. Ela disse que a pesquisa trouxe à tona ainda que homens, jovens, negros e pobres são os chamados “freios de camburão”, ou seja, os mais visados pelos policiais. Morador da Barra, o estudante e artista plástico X., de 23 anos, diz que basta ser jovem “com cara de playboy” para atrair a atenção dos policiais. Ele, que usa cabelo rastafári, já perdeu as contas de quantas vezes foi parado.

— Sei lá, fui parado umas 50 vezes. Andar comigo é a maior sujeira. No início do ano, “rodei” (fui flagrado) com um “baseado” (cigarro de maconha) no Jardim Oceânico — disse o rapaz, que admitiu ter dado R$ 50 aos PMs para fugir do flagrante.

Outro “freio de camburão”, o universitário A., de 20 anos, conseguiu reduzir o valor da propina. Ele deu apenas R$ 4 para evitar a apreensão de seu carro. Parado na Avenida Presidente Vargas, no Centro, o estudante estava com o IPVA pago, mas a licença do veículo não estava em dia. Foi para evitar esse tipo de extorsão em blitzes que o então secretário de Segurança, Anthony Garotinho, baixou uma norma em agosto impedindo que policiais civis e militares fiscalizassem problemas na documentação de veículos durante as blitzes.

— Eles me pediram o café. Só tinha R$ 4 e foi o que dei a eles. Apesar disso, sou a favor das blitzes — disse o universitário.

O camburão também não dá trégua quando o alvo é José Júnior, coordenador do Grupo Cultural Afro-Reggae. Júnior diz que não passa um dia sem ser parado pela polícia. Como não consegue escapar, ele aprendeu a conviver com a situação:

— Cresci levando “dura” porque tenho o estereótipo de bandido. Bastou ser negro, se vestir bem e andar num carro bom para que eles mandem parar. Já esquentei muito, mas agora tenho jogo de cintura porque o problema não é o policial, e sim a instituição que qualifica mal seu efetivo — disse Júnior.

Sílvia Ramos disse ainda que a revista corporal numa blitz também é seletiva por raça. Os dados do trabalho do Cesec mostram que os negros (pretos, segundo classificação do IBGE) são mais revistados que os brancos e os pardos. Entre os negros parados pela polícia, 55% foram revistados, enquanto o grupo representa apenas 10% do total da população do Rio. Com os brancos, os números mostram outra realidade: 33% dos parados foram revistados. No entanto, os brancos representam 59% de toda a população.

Com 60% de seu efetivo de pardos e negros, a PM nega ser uma instituição racista. Segundo o tenente-coronel Eduardo Frederico Cabral de Oliveira, escolhido para dar entrevista em nome da corporação, as pessoas são abordadas quando são consideradas suspeitas.

— Não existe uma personificação do suspeito. Ele deixa transparecer que há algo errado. E, com esse feeling , o policial o aborda. Pode ser também pelas características dos crimes que estejam ocorrendo na região. Neste caso, o policial já tem indicações do criminoso — explicou o oficial, que é chefe da Assessoria de Planejamento, Orçamento e Modernização da PM.

A PM não nega que haja policiais corruptos. O tenente-coronel Eduardo ressalta, porém, que a corrupção tem dois lados.

— Se o cidadão aceita a corrupção, ele passa a ser culpado. As pessoas podem procurar a corregedoria e a ouvidoria da corporação que vão agir contra esse mau policial — disse o tenente-coronel.

BOX

Questionário com 79 perguntas

Financiada pela Fundação Ford, a pesquisa “Abordagem policial, estereótipos raciais e percepções da discriminação na cidade do Rio” ouviu 2.250 pessoas de 15 a 65 anos, em junho e julho do ano passado. A amostra foi representativa de toda a população carioca nessa faixa etária. Cada entrevistado levou em média uma hora para responder às 79 perguntas do questionário. Essa pesquisa de campo foi feita na casa dos entrevistados por técnicos da Sociedade Científica da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Science).

Uma outra etapa do trabalho foram os encontros para discutir os temas da pesquisa. As pesquisadoras Regina Novaes e Marilena Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), reuniram quatro diferentes grupos de jovens: alunos do ensino médio de uma escola particular da Zona Sul, alunos do ensino médio de uma escola pública da Zona Oeste, universitários negros do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e universitários brancos e negros de diferentes instituições. Estava programado um encontro de policiais militares, mas a Secretaria de Segurança não autorizou que os servidores participassem.

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