Embora a imprensa tenha papel fundamental no contexto das mudanças envolvendo a violência urbana no Brasil, o diálogo entre especialistas em segurança e jornalistas ainda é incipiente, quase sempre limitado a entrevistas eventuais. Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, mostra que a cobertura dada pela mídia à violência é ainda muito dependente de fontes policiais, extremamente factual, pouco contextualizada, motivada por histórias individuais e com baixa presença de opiniões divergentes, além de pouquíssimos dados.
Pesquisadores do Centro, supervisionados pela cientista social Sílvia Ramos e pela jornalista Anabela Paiva, analisaram 2514 textos jornalísticos, veiculados pelos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Agora S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, O Estado de Minas, Diário da Tarde e Hoje em Dia ao longo de 35 dias, distribuídos por cinco meses do ano de 2004 (maio a setembro). Em vez de analisar o discurso da notícia ou o seu impacto sobre o leitor, eles tiveram que perceber as tendências da cobertura através da análise quantitativa da produção jornalística sobre violência e segurança pública. O resultado é o relatório “Mídia e Violência – Como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil”, apresentado no campus do Centro da UCAM, durante debate, nesta segunda-feira (02/05), com os jornalistas Aluísio Maranhão, Paulo Motta, Aziz Filho, Marcelo Beraba e José Luiz Alcântara, e do diretor do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne.
Em se tratando de volume de notícias sobre violência publicadas nos dias da amostra, os cariocas O Dia e O Globo deram maior destaque, com 20,1% e 17,2%, respectivamente, do total. O Hoje em Dia (MG) aparece em último lugar, com 4,4%.
O Estado do Rio de Janeiro aparece no centro da cobertura, com 48,2% do foco dessas matérias, seguido de São Paulo (21,3%) e Minas Gerais (17,5%). Segundo o relatório final, “a predominância de textos sobre o Rio de Janeiro parece ser devido a diferentes estratégias editoriais na abordagem das notícias relacionadas à violência”. Os jornais locais estão centrados nas questões do próprio Rio. O Dia, por exemplo, dedicou 94,5% dos textos da amostra à criminalidade e à segurança no Estado, seguido pelo JB (82,2%) e O Globo (78%).
Segundo o documento, essa opção dos jornais do Rio de concentrar seu conteúdo à cobertura da violência no Estado “pode ser vista como uma louvável tentativa de denunciar, analisar, retratar e debater a dramática crise vivida pelos fluminenses na área da segurança pública. Mas também deixa de oferecer aos leitores a chance de comparar a situação do Rio com a de outros estados. Um exemplo: ao longo de todo o período analisado, o Jornal do Brasil não produziu uma única matéria sobre a violência em São Paulo”.
Os percentuais são superiores aos verificados por outros diários em relação aos seus estados de origem. O Agora S. Paulo destinou 74,7% de seu espaço à violência no Estado de São Paulo, acompanhado pela Folha (46,8%) e pelo Estado de S. Paulo (44,7%). Em Minas, a exceção ficou por conta do Hoje em Dia, que com 79,1% quase que empata com O Globo em percentual de cobertura local, seguido pelo Diário da Tarde (67,7%) e pelo Estado de Minas (67,2%).
Quando o foco da notícia é o Rio, Folha de S. Paulo e o Estadão dedicaram considerável espaço às notícias do Rio de Janeiro. No jornal da família Frias (Folha), as notícias sobre o Rio somaram 28,8%, contra 46,8% sobre São Paulo e apenas 3,4% sobre Minas Gerais. No Estado de S. Paulo, os textos sobre o Estado somaram 44,7%, enquanto as matérias sobre o Rio são de 28,5%. As reportagens, artigos e notas sobre Minas Gerais somam 4,5%.
Ao medir a concentração de notícias nos cadernos e seções, nota-se maior cobertura nos cadernos de noticiário local: 83% dos textos foram clipados de cadernos como Cotidiano, Cidade e similares. Um pouco mais de 4% de editoriais e colunas.
Os assuntos protagonistas do noticiário são “forças de segurança”, com 40,5%, e ato violento, com 21%. Já a violência enquanto fenômeno sócio-cultural-político (3,3%) e direitos humanos (2,4%) aparecem muito menos.
De todos os textos analisados, 93,4% que tratam de atos violentos indicam a presença de vítimas e 81,6% mencionam agressores. Mas são poucos aqueles que fornecem ao leitor informações mais específicas, como características desses personagens. A característica sexo é permanente – apenas 3,6% das matérias não identificam o sexo das vítimas e 9,3% não mencionam o sexo dos agressores. Já a faixa etária das vítimas é mencionada em quase 76% dos textos, e dos agressores, em 63,7%.
A pesquisa também revela os tipos de crimes relatados, a abordagem do sistema penitenciário, o foco no Judiciário, no Ministério Público e na legislação etc. Para ler a íntegra do trabalho basta clicar aqui.
Sobre a pesquisa
O Centro aproveitou que nenhuma pesquisa de fôlego tinha sido realizada até agora sobre o tema. No início do ano passado, o Centro convidou alguns profissionais da área para debater estratégias que possam colaborar para o diálogo entre eles e a imprensa. Foi então que se decidiu primeiro realizar um diagnóstico sobre como os jornais cobrem a violência no Brasil.
A decisão de escolher jornais para realizar o levantamento deve-se à facilidade de monitorar os veículos. O CESec escolheu os assuntos criminalidade; políticas de segurança; forças de segurança; sistema penitenciário; justiça; reações da sociedade civil; pesquisas e legislação.
A pesquisa foi realizada ao longo de 2004, inspirada na metodologia usada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Em fevereiro deste ano aconteceu a primeira reunião para se discutir os primeiros resultados.