Juventude para quem precisa

De um lado, policiais fardados com suas conhecidas caras de mau. De outro, jovens moradores de comunidades carentes com seus conhecidos olhares desconfiados. No meio, um problema nacional: o preconceito de um grupo contra o outro, que gera violência da qual os dois lados são as maiores vítimas. Para tentar mudar este quadro, o jeito foi juntar as duas partes para fazer teatro, vídeo, malabarismo e batucar. Desde agosto, o Grupo Cultural Afroreggae, do Rio, está levando jovens cariocas para dar aula a policiais militares de Belo Horizonte no projeto Juventude e Polícia.

No começo, as caras de mau e os olhares desconfiados permaneciam, como contam José Júnior, coordenador do Afroreggae, e o tenente-coronel Josué Soares, comandante do 22º BPM de Belo Horizonte, onde aconteceu uma das oficinas. Júnior lembra que antes de topar participar do projeto – coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC) – conversou com os artistas e professores. A maioria já foi vítima de violência policial e o grupo queria encontrar uma forma de melhorar esta relação.

– Percebemos que a profissão mais discriminada era a do policial. Começamos a pensar como seria se estivéssemos no lugar deles. Iniciamos um processo interno para diminuir o nosso preconceito. E olha que boa parte da equipe é de Vigário Geral e as marcas da chacina (ocorrida em 1993) ecoam até hoje – conta Júnior.

O comandante do batalhão – que atua numa área nobre da cidade cercada de favelas de baixíssimo índice de desenvolvimento – conta que os policiais também não encararam com bons olhos a invasão de seu território por “cabeludos do Rio”. Josué acredita que é difícil para o policial, como para qualquer um, entrar no mundo dos jovens. Mas aos primeiros batuques e acrobacias, o gelo derreteu. A oficina de percussão, por exemplo, previa 20 alunos, e foi preciso conseguir mais instrumentos para os 35 alunos fardados que se inscreveram.

– Isso vai facilitar muito o trabalho. O policial fica em contato com a mentalidade do jovem que é muito difícil de entender para qualquer um. Notamos que houve uma mudança sensível no comportamento dos policiais em relação à comunidade – disse o oficial.

Ao final da semana de oficinas, houve um show em que os artistas foram tanto os jovens músicos do Rio, (que além da banda oficial do Afroreggae teve Tony Garrido como convidado) e de Belo Horizonte, como os policiais de Belo Horizonte.

Silvia Ramos, da CESeC, está entrevistando os jovens e policiais do projeto para um documentário dirigido por Estevão Ciavatta, e diz que o resultado foi muito acima do esperado, com uma redução significativa da visão preconceituosa. Afinal, batucando, policiais e jovens se entendem.

O projeto também foi muito bem recebido por Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG. Ele conta que o Juventude e Polícia fará parte do programa Fica Vivo, que organizou uma série de ações da polícia, da justiça, dos governos e da sociedade para diminuir o alto número de mortes de jovens numa favela da cidade. O resultado foi uma redução de 47% nos homicídios na região e diminuição de todas as estatísticas de criminalidade.

– Um dos maiores problemas nesses locais são as tensas relações da população, especialmente dos jovens, com a polícia. Não há outro caminho para resolver os problemas de criminalidade e violência nas favelas que não o do envolvimento da comunidade com os projetos.

 

Frases de policiais

“Esquecemos que já pensamos como muitos jovens pensam hoje e essas oficinas estão lembrando a gente disso.”

“Policial gritando, cantando, dançando… Deve ser bem diferente para eles também.”

“Ontem, no show no batalhão eu disse: se visse um jovem desses na favela acho que eu ia abordar… É uma quebra de paradigma muito grande.”

“Mas quando você começa a falar a língua deles, com respeito, isso (preconceito) muda.”

 

Frases de jovens

“Quando vi a parada que salvou as nossas vidas (os instrumentos de percussão) de uma forma tão alegre, nas mãos daqueles policiais, eles tocando com a maior alegria, empolgados, rindo, dançando… Eu me emocionei”.

“Quando eu me vi ali, dentro do covil do lobo, com aqueles que eram meus opressores, e eu, professor deles, no maior respeito e consideração… Cara, foi demais!”

“Se você acredita na mudança, se você acredita que você mudou, então você entende que o policial pode mudar também”.

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