Sem exagero, a reflexão sobre a reportagem de crime será dividida em antes e depois do livro “Mídia e Violência – Novas tendências na cobertura de criminalidade e segurança no Brasil”, de Silvia Ramos e Anabela Paiva, que será lançado às 18h de hoje após palestra do ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e de debate na Rua Assembléia 10, 42o. andar, no Centro do Rio.
Em mais de duas décadas e meia acompanhando o jornalismo que prefiro chamar de criminal em vez de policial (qualquer dia explico isso porque tem a ver inclusive com o nome deste blog), pela primeira vez encontro volume tão abrangente sobre o tema, tratando de vários aspectos dessa especialidade jornalística.
É claro que sinto orgulho de estar entre os 64 jornalistas ouvidos pelas escritoras. Mas, sem dúvida, a grande contribuição desse livro é fornecer aos profissionais de imprensa material para reflexão raramente feita nessa área e sempre defendida por este blogueiro.
Se a cobertura de outro crime – o de falta de prevenção no caso Rebouças – permitir, estarei lá para pegar meu autógrafo.
Leia a íntegra do release enviado pelo Cesec:
“Após três anos de monitoramento de diversos jornais brasileiros, análise de mais de 5 mil textos e a realização de 90 entrevistas, a cientista social Silvia Ramos e a jornalista Anabela Paiva apresentam o livro Mídia e Violência – Novas tendências na cobertura de criminalidade e segurança no Brasil, onde discutem a qualidade do jornalismo dedicado ao crime e às políticas de segurança.
Ao longo de um ano de trabalho, as pesquisadoras fizeram a 64 jornalistas e 26 especialistas em segurança perguntas como: quais os pontos fracos do noticiário sobre criminalidade e segurança pública? Crimes e criminosos são iguais ou podem ser tratados de formas diferentes, dependendo de quem está envolvido? E qual é o papel da imprensa na construção das políticas de segurança?
A partir destas conversas, e dos dados levantados em pesquisas quantitativas, Mídia e Violência apresenta um panorama da cobertura de segurança pública, mostrando a sua evolução em relação a um passado recente e apontando fragilidades que persistem. O livro também descreve soluções adotadas pela imprensa ao lidar com as dificuldades cotidianas e conta os bastidores de grandes reportagens.
A pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes, atendeu a uma demanda da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e faz parte do Programa de Apoio a Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário, financiado com recursos da União Européia. O livro será distribuído em redações, faculdades de jornalismo e centros de estudos com o objetivo de fomentar mais discussões sobre o assunto.
Monitoramento da mídia
Há três anos o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) estuda a cobertura da criminalidade e violência pelos jornais brasileiros. O monitoramento começou em 2004, com a avaliação de 2.514 reportagens publicadas em nove jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O segundo levantamento, realizado em 2006, teve analisados 2.651 textos publicados em oito jornais do Rio de Janeiro (os resultados das duas pesquisas podem ser encontrados na internet – www.ucamcesec.com.br).
A pesquisa identificou alguns problemas, entre eles a dependência de fontes policiais. Mais de 30% das notícias tinham como fonte principal a polícia. Os dados destes primeiros levantamentos foram o ponto de partida para as entrevistas do livro, que incluíram jornalistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Ceará, Pará e Rio Grande do Sul. Nas entrevistas, repórteres, editores e chefes de reportagem falaram abertamente sobre questões como ética e as dificuldades cotidianas.
“A mídia desempenha um papel cada vez mais importante no debate sobre segurança pública. A nossa intenção é traçar um raio-x desta cobertura jornalística para identificar as fragilidades, as boas experiências e estimular o debate nas redações”, diz a cientista social e pesquisadora do CESec, Silvia Ramos.
“Não queríamos simplesmente produzir uma cartilha, com críticas ou recomendações acadêmicas, típicas de quem está fora do universo de produção de notícias, e sim dar voz a jornalistas e especialistas em segurança pública. O importante é propor uma reflexão sobre este tema entre profissionais de mídia e a sociedade”, completa Anabela Paiva, jornalista com 20 anos de profissão.
Alguns destaques do livro:
Cinqüenta mil pessoas são assassinadas a cada ano no Brasil e a taxa de homicídio no país cresceu 77% em 20 anos. Com isto o tema segurança pública é cada vez mais importante na imprensa brasileira.
32,5% das reportagens se baseiam na polícia como principal fonte de informação – se forem consideradas as notas publicadas cotidianamente pelos jornais, relatando mortes e outros crimes, nas quais não é indicada a origem da informação, o número é bem maior. Ao mesmo tempo é baixíssima a participação do Ministério Público e do Judiciário (fontes principais em apenas 4,1% das matérias) e de especialistas e representantes da sociedade civil (em 4,3% das reportagens).
Os profissionais dedicados ao tema têm como fonte principal pessoas de dentro das organizações policiais. A conseqüência mais grave disto é a diminuição da capacidade da imprensa em criticar ações das forças de segurança – ações que muitas vezes são equivocadas, feitas com a pressa de oferecer uma satisfação à opinião pública. Outro aspecto desta cobertura é que a imprensa acaba reduzindo sua capacidade de produzir análises e reportagens sobre outros conflitos cotidianos além do tráfico de drogas, como violência doméstica, sexual e outras.
As entrevistas com repórteres confirmam a percepção de que o crime nas regiões mais ricas da cidade tem maior interesse jornalístico do que o que quando ocorre nas favelas e periferias. Os jornalistas justificam esta valorização pelo fato de que a maioria dos leitores de jornais se concentra nos bairros de classes média e alta. Além disso, os profissionais da imprensa consideram que os bairros das classes média e alta apresentam índices de homicídio menores do que os de favelas e periferias, o que dá ao crime ocorrido nestas localidades maior valor como “notícia”.
A morte do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, deu aos profissionais da área uma aguda consciência de sua fragilidade. Há uma clara percepção de que repórteres não são mais considerados “neutros” nos conflitos urbanos. Se antes o crachá de jornalista era visto como um salvo-conduto para a entrada em qualquer comunidade, hoje existe uma clara noção de que o repórter também pode ser alvo da violência que cobre. Esta percepção tem impacto significativo sobre a cobertura de áreas em conflito, especialmente no Rio de Janeiro. Em muitas empresas de comunicação, ainda não existem regras claras para nortear a conduta dos profissionais, que pautam o seu comportamento na própria avaliação do perigo da rua e pelas atitudes dos colegas de veículos concorrentes.
O livro informa como é possível utilizar o artigo 5°, inciso 33 da Constituição de 1988, para ter acesso a informações públicas. No Brasil, este direito nunca foi regulamentado – ao contrário do que ocorre em países vizinhos como México, Peru e Colômbia, que já têm leis neste sentido. O acesso a informações públicas é uma demanda crescente não só por parte de jornalistas, mas de todo e qualquer cidadão que busca a transparência nas informações coletadas e mantidas sob a custódia de agências estatais.
Sobre as autoras:
Silvia Ramos – Cientista social e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC-Ucam), coordena projetos sobre Mídia, Juventude, e Diversidade sexual e Direitos. É autora do livro Elemento suspeito _ abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro, em parceria com Leonarda Musumeci, lançado pela Civilização Brasileira. Desde 2004 coordena, com a jornalista Anabela Paiva, a linha de pesquisa Mídia e Violência do CESeC.
Anabela Paiva – Jornalista, trabalhou nas revistas Veja, Época, Isto É e Caras. No Jornal do Brasil, foi repórter de Cidade, subeditora do Informe JB e editora do Caderno B. Foi editora de Cidade do jornal tablóide Q!. Fez parte da equipe que formou o site www.no.com. É professora licenciada da PUC-RJ. Desenvolve projetos de consultoria em comunicação e coordena, com Silvia Ramos, o monitoramento de notícias sobre segurança e criminalidade realizado pelo CESeC desde 2004.