Número de assassinatos na região preferida pelos turistas chega a ser o dobro dos registrados na cidade americana
Homicídios na zona sul são até 23 vezes menores do que em outras áreas da cidade, mostra pesquisa de centro especializado
A zona sul é um ‘oásis’ de segurança no Rio se comparada com áreas da zona norte e da Baixada Fluminense, nas quais as taxas de mortes são até 23 vezes maiores do que na área turística preferida da cidade, mostra pesquisa obtida pela Folha. Mas mesmo esse ‘oásis’ chega a ter o dobro dos assassinatos de Nova York e seis vezes mais homicídios do que Londres.
Dados compilados pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes, mostram que, entre 2000 e 2005, o local com mais assassinatos proporcionalmente no Estado foi Itaguaí (Baixada Fluminense): 81 homicídios por 100 mil habitantes, seis vezes o indicador da zona sul — que abriga a orla que vai do Flamengo a São Conrado, incluindo bairros como Lagoa, Jardim Botânico, Humaitá e Laranjeiras.
A média de homicídios anual na zona sul (83) no período é de 23 vezes inferior ao da Baixada (1.944); 15 vezes menor que a da zona norte e 11 vezes menor que na zona oeste.
Bem além das novelas
A pesquisa analisou, no período de 2000 a 2005, indicadores de homicídios, lesões corporais e quatro modalidades de crimes contra o patrimônio que afetam o sentimento de segurança: roubo de veículo, a transeunte, a residência e em transporte coletivo. Deixa evidente a grande distância entre os bairros das favelas e os das novelas de Manoel Carlos.
A taxa de 16,7 homicídios por 100 mil habitantes na parte mais nobre do Rio em 2004 correspondia a seis vezes a de Londres (2,8) e a mais que o dobro da registrada em Nova York (sete), mostra a pesquisa “Geografia da Violência na região Metropolitana do Rio”.
“Tem-se a impressão de que a violência está igualmente distribuída pela região metropolitana, mas essa é uma visão distorcida. A política de segurança precisa olhar com muita ênfase o que ocorre fora da zona sul, até porque os efeitos reverberam em todas as áreas, e a violência reforça desigualdades”, diz a professora do Instituto de Economia da UFRJ, Leonarda Musumeci, que coordenou a pesquisa.
Separadas só pelo Túnel Rebouças e pelo centro, a distância física entre a parte mais rica e a zona norte (que também engloba bairros de classe média) é bem menor que aquela entre os números da violência. O mesmo acontece com a zona oeste.
O estudo dividiu a zona norte em duas, sendo a segunda a parte da periferia mais pobre — e violenta. Na média entre 2000 e 2005, a área chega a ter índices de homicídios 20 vezes piores que os de Londres e oito vezes superiores aos de Nova York, em 2004.
Crime de rico
Como já previam os pesquisadores, as áreas “mais ricas têm taxas de violência letal bem menores do que subúrbios”. Porém o que surpreendeu foi ver crimes contra o patrimônio — que supostamente ocorreriam em áreas mais ricas — acontecerem com mais freqüência justamente nas áreas mais pobres.
Houve 17 vezes mais roubos de carros na zona norte que na sul, 4,5 vezes mais assaltos a transeunte e 5,6 vezes mais roubos em coletivos. Só nos ataques a residência a zona sul aparece, embora na discreta quarta posição, com 8,5% das ocorrências.
O trabalho do CESeC não dispõe de dados precisos sobre as causas, mas Leonarda Musumeci tem hipóteses. “De um lado estão os holofotes da mídia, a concentração de policiamento na zona sul e no centro. Do outro há ausência do Estado, de urbanização, regularização fundiária e de serviços”, afirma.
Um bom exemplo de que os crimes são menos violentos na zona sul é a relação entre roubos de veículos (com ameaça) e furtos. Enquanto nas áreas mais violentas o número varia de 2 a 3,2 para cada furto, no ‘oásis’ é de 0,4 roubo para cada furto.
Mortes de civis em confrontos com policiais sobem 90% de 2000 a 2005
Não é só a violência de criminosos contra civis que alarma a população do Rio de Janeiro. A violência policial cresceu fortemente e as mortes de civis em supostos confrontos com a polícia cresceu ao menos 90% entre 2000 e 2005, diz pesquisa do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), com dados da própria Secretaria de Segurança do Estado.
Em alguns casos, como no centro e na Barra/Jacarepaguá, os autos de resistência (nome dado a essas ocorrências) chegaram a apresentar variações de 900% a 586% no período.
No centro, o crescimento foi de um caso para dez. Na outra região, foi de sete para 48.
“Isso se deve à política assassina do governo, que na verdade não tem política de segurança”, afirmou a coordenadora do estudo, Leonarda Musumeci.
Segundo ela, a polícia do Estado do Rio mata mais que todas as polícias dos EUA juntas.
Para a pesquisadora, o acirramento da mudança no padrão da violência tanto do tráfico quanto da polícia criou uma escalada da violência, retroalimentada por ações ultraviolentas de ambos os lados, gerando um “efeito bumerangue”.
“Uma violência provoca a outra, e o bandido sabe que enfrenta uma polícia que entra para matar, com pé na porta, atirando. A comunidade fica com ódio da polícia e deixa de ajudar a polícia, que perde o respeito. A polícia diz que a violência é dos criminosos. Quem tem de romper o ciclo? Vamos pedir: ‘Bandidinho, por favor, pare de ser violento!’ É claro que isso tem de partir da polícia”, afirma Musumeci.
Também nesse tipo de dado a zona sul e a Barra/Jacarepaguá aparecem muito atrás das outras áreas, com 25 e 20 casos de média anual, contra 415 nas duas subdivisões da zona norte, e 172 na Baixada.
A Secretaria de Segurança Pública disse que só comentaria as afirmações de Musumeci e os números quando tivesse acesso à íntegra da pesquisa.
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