Os blogs no debate sobre segurança pública

 

Especialistas e profissionais das áreas de segurança, comunicação e informação contam, a partir desta semana, com um levantamento inédito sobre o crescente uso de blogs para a publicação de análises e comentários sobre a realidade da segurança pública. Realizada em parceria da UNESCO no Brasil (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC), a pesquisa A Blogosfera Policial no Brasil — do Tiro ao Twitter justifica seu ineditismo: mais do que coberturas jornalísticas, o estudo avalia blogs publicados pelos próprios agentes de segurança (clique aqui para baixar a íntegra do estudo).

Coordenada pelas pesquisadoras Silvia Ramos e Anabela Paiva, do CESeC, a publicação é a primeira investigação em profundidade sobre a mais recente e relevante tendência na cobertura de polícia, criminalidade e políticas de segurança. O levantamento de informações e a análise dos blogs foram realizados por meio de perguntas formuladas na internet e respondidas por 73 policiais blogueiros, autores de 70 blogs, entre maio e junho deste ano.

Nos depoimentos coletados pela pesquisa, os entrevistados dividem a percepção de que, no passado, em análises e debates sobre “polícia” e “policiais”, quase nada era dito pelos próprios agentes de segurança. Segundo eles, os debates sobre o setor reuniam somente profissionais de meios de comunicação, especialistas e governantes.

Esse cenário mudou com o surgimento dos blogs sobre segurança e a abertura de espaços destinados a reflexões pouco divulgadas na mídia tradicional. Entre os assuntos tratados pelos agentes na internet, foram identificadas abordagens raras ou inexistentes nas páginas de jornais, como política salarial e condições de trabalho das forças policiais.

 

Fenômeno recente

O estudo da UNESCO no Brasil e do CESeC revela que, entre os blogs avaliados, apenas 12 foram criados em 2006 ou em anos anteriores. Os dados caracterizam o fenômeno como especialmente recente e em franco desenvolvimento: entre janeiro e início de agosto deste ano, foram criados 15 novos blogs policiais. Em função desse crescimento, a pesquisa avalia que os sites jornalísticos são apenas a ponta mais visível, porém menor e talvez menos importante, da blogosfera policial.

Os dados coletados indicam que a maior parte da comunidade virtual é formada por conteúdos assinados por policiais das regiões Sudeste (43), seguida das regiões Centro-Oeste (9), Nordeste (7), Sul (7) e Norte (4). O Rio de Janeiro é o Estado que concentra o maior número dos blogs sobre segurança, com 22 conteúdos.

Por trás das postagens, o predomínio é de policiais militares: no universo pesquisado, 58% dos entrevistados são oriundos da PM (35,6 oficiais e 23,3% praças), 15,1% da Guarda Municipal e 13,7% da polícia civil. Ainda segundo o estudo, a maioria dos blogueiros acredita contar com o apoio de seus colegas (91,8%). Quando se trata de superiores hierárquicos, porém, as avaliações se dividem: apenas 24,3% acham que suas iniciativas são aprovadas, enquanto 20% acham que elas são reprovadas e 21,4%, que são vistas com indiferença.

 

Demanda reprimida

Além de política salarial e condições de trabalho, outros temas sensíveis, como direitos humanos, investigações de corregedorias, projetos comunitários e inquéritos abandonados, são tratados pelos blogs com freqüência e destaque. “Como é que pode sob a justificativa de preservar a hierarquia e disciplina, ressalte-se em tempo de paz, cercear direitos humanos e fundamentais como é o caso do direito de reunião?”, dizem os autores de um dos blogs pesquisados ao atribuírem o nascimento da página a uma “demanda reprimida”.

Em meio às postagens, o temor de retaliações é presente entre os proprietários dos blogs. Entre os 73 entrevistados, 27 disseram já ter sido censurados ou reprimidos. As ameaças de prisão e transferência vêm em primeiro lugar, com quase 26% dos casos.

Apesar das denúncias e reivindicações dos blogueiros, o estudo revela que os comandos já teriam percebido a importância do fenômeno: comandantes gerais da PM de Goiás e do Rio de Janeiro mantêm blogs institucionais, iniciativa que deverá ser seguida pelo comandante da PM de São Paulo. Em Sergipe, um blog da corporação acaba de ser lançado.

 

Cultura de paz

Entre as expectativas da UNESCO no Brasil com o lançamento de A Blogosfera Policial no Brasil — do Tiro ao Twitter está a promoção do debate sobre liberdade de expressão, um dos valores defendidos pela Organização.

Em visão partilhada com o coordenador do Setor de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil, Guilherme Canela, o Representante da UNESCO no Brasil, Vincent Defourny, considera que a publicação também cumprirá um importante papel para a formulação de políticas de segurança favoráveis à cultura de paz. “O estudo apresenta uma contribuição concreta para se trilhar o caminho na direção de uma esfera pública capaz de levar adiante uma reflexão robusta sobre políticas da mais alta relevância para promoção de uma cultura de paz e, por conseguinte, para a redução da violência.”

A pesquisa anunciada pela UNESCO no Brasil e pelo CESeC é a primeira de uma série de debates em Comunicação e Informação a serem lançados pela Organização.

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Direito a informação e pluralidade de discussões
Vincent Defourny e Guilherme Canela*

Apresentação de A Blogosfera Policial no Brasil — do Tiro ao Twitter, título original “Direito a informação e pluralidade de discussões: um impulso qualitativo nos debates sobre políticas de segurança pública”, intertítulo do OI

É com imenso prazer que a Representação da UNESCO no Brasil apresenta o primeiro número da Série Debates em Comunicação e Informação. Nosso objetivo central é alimentar a esfera pública de discussões com um conjunto de textos, muitos deles subsidiados por pesquisas empíricas inéditas, que possam estimular reflexões críticas e plurais acerca de temas fundamentais para a extensa agenda da comunicação e da informação para as sociedades contemporâneas, com especial atenção para o contexto brasileiro.

O texto que abre a série é particularmente instigante, pois abriga um número diversificado de assuntos-chave para o passado, o presente e o futuro dos debates que se acumulam sob o amplo guarda-chuva da Comunicação e da Informação. A Blogosfera policial no Brasil: do tiro ao Twitter consegue, de forma pioneira e original, apresentar insumos teóricos e empíricos para que sejam levantados questionamentos, pelo menos, sobre:

** as fronteiras da liberdade de expressão em corporações públicas com rígidas hierarquias;

** o papel dos agentes públicos — neste caso, das forças de segurança — na produção de informações e reflexões sobre o seu próprio fazer e, logo, na interação direta com os pares, os superiores e a sociedade, sem a mediação, por exemplo, da imprensa;

** as possibilidades e riscos introduzidos com a popularização do uso da internet, particularmente da ferramenta “blog”, por esses agentes;

** os impactos da democratização da informação na construção, execução e monitoramento das políticas públicas — aqui, as de segurança;

** o comportamento do jornalismo mainstream diante de novas formas de produção da informação e de interação com a esfera pública.

 

Portas abertas

Estamos certos de que a melhoria qualitativa das políticas públicas, em geral, e das políticas de segurança pública, em particular, está fortemente atrelada à promoção, proteção e garantia do direito a informação, de tal forma que tomadores de decisão, gestores, burocracia, agentes executores, agentes fiscalizadores e população possam, valendo-se de um debate plural e contextualizado, convergir para a elaboração e execução de políticas mais efetivas, eficazes e eficientes. O estudo coordenado pelas pesquisadoras Silvia Ramos e Anabela Paiva, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), certamente, apresenta uma contribuição concreta para se trilhar o caminho na direção de uma esfera pública capaz de levar adiante uma reflexão robusta sobre políticas da mais alta relevância para promoção de uma cultura de paz e, por conseguinte, para a redução da violência.

De fato, foi e é motivo de satisfação para nós ter ouvido de vários dos blogueiros entrevistados para essa pesquisa que o mero anúncio do início da investigação colaborou para provocar transformações não de pequena envergadura. Segundo eles, a preocupação demonstrada pela UNESCO quanto ao fenômeno colocou em evidência que eles não faziam parte de uma aventura isolada, novas pontes foram construídas, redes já existentes foram fortalecidas e medidas na direção de reduzir a liberdade de expressão foram contidas. O relatório sublinha que se multiplicam os blogs sobre segurança pública e mais do que isso, os comandos das corporações, antes resistentes, estão anunciando a criação de blogs oficiais para debater o tema. Com mais informação, das mais variadas fontes, todos têm a ganhar.

Não esperamos, contudo, que o presente estudo tenha logrado apresentar respostas definitivas. Ao contrário, voltamos a repetir que ele tem como objetivo primeiro fomentar o debate sobre os temas centrais de que se ocupou. Não por outra razão, está inaugurando esta Série Debates. O Setor de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil está, portanto, de portas, e-mails e ouvidos abertos para receber as dúvidas, sugestões, críticas, inquietudes e reflexões que sejam suscitadas por essa pesquisa e por aquelas que virão no futuro próximo.

Respectivamente, representante da UNESCO no Brasil e coordenador do Setor de Comunicação e Informação

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