Os problemas na busca por desaparecidos, segundo este estudo

MULHER VÊ PAINEL DE CRIANÇAS DESAPARECIDAS NO RIO | Foto: Tânia Rego / Agência Brasil

Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania mostra que atendimento a familiares no Rio de Janeiro é negligente e atrasa investigações. Principais afetados são pessoas pobres e negras

Estudo divulgado nesta quinta-feira (26) pelo Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) mostra que o atendimento do poder público a familiares de pessoas desaparecidas tem falhas no estado do Rio de Janeiro, o que atrasa a investigação desses casos e afeta principalmente pessoas negras e pobres.

A negligência dos órgãos estatais no atendimento a essas famílias agrava o problema do desaparecimento no estado, que segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública é o sexto em números absolutos de registros desse tipo de caso. Em todo o Brasil, segundo dados de 2007 a 2020, as polícias registraram 196 novos desaparecimentos por dia.

O Nexo explica o problema das pessoas desaparecidos no Brasil e as principais conclusões do estudo do Cesec no Rio de Janeiro. Mostra também como famílias de vítimas têm encontrado maneiras de se organizar e acolher umas às outras dentro desse contexto.

Os desaparecimentos no Brasil

O poder público define como pessoa desaparecida “todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas”.

A definição é da lei n. 13.812, de 2019, que cria a Polícia Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas. Segundo a legislação, o desaparecimento é um fato atípico, mas que não constitui crime até que haja prova em contrário. O fenômeno pode estar ligado a diferentes cenários, desde crimes como sequestro e homicídio até casos de pessoas doentes e crianças que se perdem e adultos que desaparecem deliberadamente.

Os dados oficiais sobre pessoas desaparecidas mostram números altos: de 2007 a 2020, houve 1 milhão de registros no país — em média, 71,6 mil por ano —, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2019, a média de localizados foi de 58,3%, segundo dados dos estados que divulgam esse tipo de informação.

A primeira lei brasileira sobre o tema é relativamente recente, de 2005, quando o governo criou medidas de combate ao desaparecimento de crianças e adolescentes. Em 2019, com a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, o poder público buscou ampliar o foco, abrangendo também adultos e criando novas categorias para a investigação desses casos.

A pesquisa lançada pelo Cesec nesta quinta (26), porém, afirma que a lei ainda não saiu do papel. Entre os fatores que impedem avanços na área, está a falta de coordenação entre o governo federal e os estados, responsáveis pelas polícias, que investigam esses casos.

O que o estudo mostra no Rio

Negligência

O primeiro passo para pedir a busca de uma pessoa desaparecida é fazer o Registro de Ocorrência em uma delegacia distrital ou especial da Polícia Civil. Mães entrevistadas pela pesquisa contam que, nesses espaços no Rio, o atendimento é falho. A experiência comum é de esperarem muito tempo para serem atendidos, enfrentarem forte resistência à realização do registro e serem obrigados a voltar um ou mais dias depois (apesar de a lei determinar o início imediato da busca).

Estereótipos

Segundo a pesquisa, estereótipos sobre o desaparecimento alimentam a resistência dos policiais a fazer o registro pedido pelos familiares. O primeiro deles é de que pessoas desaparecidas não são problema da polícia e sim da família e da assistência social — pois desaparecer não é crime.

60,5% dos desaparecidos no estado do Rio têm 18 anos ou mais; ainda assim, segundo o estudo, é disseminada nas polícias a ideia de que desaparecimentos são “coisa de adolescente”, por isso não mereceriam ser investigados

Crianças e adolescentes

Outro estereótipo disseminado no caso de crianças e adolescentes desaparecidos é o de que essas pessoas costumam fugir de casa — e reaparecer logo depois —, o que torna o registro policial uma perda de tempo. De fato, segundo estudo da Fundação para Infância e Adolescência do Rio, a maioria (59%) dos desaparecimentos desse grupo está ligada a fugas. A ideia comum de que sempre é assim, porém, adia o início de buscas por vítimas sobre as quais já há indícios de que a situação é diferente — como no caso de crianças pequenas.

Distâncias

Outro problema para a busca de pessoas desaparecidas no Rio é a ausência de delegacias especializadas no tema. Em todo o estado, existe apenas uma, que fica no centro da capital fluminense. Outras delegacias distritais podem registrar o desaparecimento, mas a infraestrutura não é a mesma. Pessoas que moram na periferia ou que vivem em outras cidades — a maioria pobres e negras —, portanto, têm menos possibilidade de obter atendimento qualificado.

Como a pesquisa foi feita

A pesquisa chegou a essas conclusões depois de mapear as instituições governamentais e não governamentais dentro do estado do Rio responsáveis por registrar e acompanhar casos de desaparecimento e localizar as vítimas.

Entre os entrevistados, estão integrantes da Delegacia de Descoberta de Paradeiros, a única especializada em desaparecimentos no estado, delegacias de homicídios em outras partes do Rio, Ministério Público, Defensoria Pública, Disque-Denúncia e familiares de desaparecidos.

O objetivo da pesquisa foi mostrar como a rotina dos órgãos públicos contribui para a invisibilidade e a irrelevância atribuída aos desaparecimentos no estado — além de efetivamente atrapalhar a resolução desses casos — no estado do Rio. Em desaparecimentos, costuma-se dizer que o “tempo é inimigo”, e a falta de estrutura nas polícias para lidar com o tema atrasa investigações.

O caso de Belford Roxo

Entre os exemplos de desaparecimento citados na pesquisa, o texto destaca o de três crianças do município de Belford Roxo que sumiram simultaneamente em dezembro de 2020 — caso que repercutiu amplamente na imprensa.

Fernando Henrique Ribeiro, de 11 anos na época, Alexandre da Silva, de 10, e Lucas Matheus da Silva, de 8, desapareceram depois de terem saído de casa para jogar futebol em um bairro próximo da comunidade Castelar, onde moravam. Os familiares se preocuparam quando eles não voltaram para o almoço.

No mesmo dia, as mães dos meninos foram à 54ª de Polícia do Rio, em Belford Roxo, para registrar o desaparecimento. Apesar de a lei determinar o registro imediato no caso de crianças e adolescentes, os agentes as orientaram a retornar apenas no dia seguinte.

Feita a ocorrência, o caso foi encaminhado ao setor de desaparecidos da 54ª Delegacia de Homicídios da Baixada. Durante meses, diversas denúncias sobre o paradeiro dos meninos apareceram, incluindo mentiras que eram espalhadas nas redes sociais.

Em dezembro de 2021, a Polícia Civil do Rio encerrou o inquérito aberto para investigar o desaparecimento. Segundo os policiais, os meninos foram mortos a mando de traficantes da comunidade Castelar, que teriam capturado as crianças por causa de um suposto roubo de passarinho.

As investigações concluíram que os garotos foram torturados — um deles teria morrido durante a violência, e os outros dois foram executados na sequência. Em uma operação na época, os policiais cumpriram dezenas de mandados de prisão em Belford Roxo.

31 mandados de prisão foram cumpridos em operação no dia 9 de dezembro de 2021

Cinco dos mandados de prisão expedidos foram pelo triplo homicídio com ocultação de cadáver das crianças. Outras dezenas foram por associação ao tráfico. O caso ainda não chegou à Justiça. Os corpos dos meninos não foram encontrados.

As organizações de mães

Com problemas para serem acolhidos no poder público, mães e familiares de pessoas desaparecidas no Rio criaram organizações voluntárias de divulgação e busca das vítimas. Os grupos também mantêm suas próprias redes de apoio, dando orientação e assistência para quem busca ajuda.

A pesquisa lançada nesta quinta (26) entrevistou duas mães de desaparecidos e uma jornalista, que contaram suas experiências na condução de diferentes organizações na capital do Rio e na cidade de Nova Iguaçu: Mães Virtuosas, Mães Braços Fortes e Portal Kids.

Entre os trabalhos das organizações, está buscar apoio psicológico para mães que não têm condição de ir ao profissional indicado pelo poder público, por falta de tempo ou dinheiro. “As coisas são assim: se eu quero ser tratada, tenho que sair da minha casa [em Campo Grande] para ir a Botafogo”, disse uma ativista da Mães Virtuosas ao estudo. A ONG tenta preencher essa lacuna indicando psicólogos que atendam por telefone.

Outro trabalho feito é de assistência e divulgação dos casos. Na Mãe Virtuosas é comum, segundo uma ativista, que mães que já encontraram seus filhos “adotem” os de outras mulheres que ainda estão desaparecidos. “Aquela mãe passa a divulgar aquela foto, usar a camiseta daquela criança nos eventos que vamos”, explicou.

“A gente vira detetive, psicólogo, advogado, juiz… A gente busca e passa informação para outras mães”

Presidente da Mães Braços Fortes em entrevista para a pesquisa publicada pelo Cesec nesta quinta-feira (26)

Os coletivos também buscam oferecer auxílios financeiros emergenciais para familiares em condições de vulnerabilidade que os procuram — como mães que deixaram de trabalhar por concentrar os esforços na busca pelos filhos. As verbas são arrecadadas por meio de bazares e brechós, entre outras iniciativas.

Segundo a pesquisa, a atuação desses grupos é fundamental para contrabalançar, ao menos em parte, a baixa presença do poder público na assistência dessas famílias. Apesar disso, “evidentemente, [os grupos] não conseguem suprir a demanda volumosa e diversificada” que existe.

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