Segundo o levantamento, na capital fluminense, os negros são mais abordados em todas as situações. Ainda de acordo com o estudo, a violência também aumentou ao longo das últimas duas décadas.
Assista ao vídeo:
–
Uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) divulgada nesta terça-feira (15) revela que 63%das pessoas abordadas pela polícia na cidade do Rio é de negros. O levantamento também mostra que a violência da polícia nessas abordagens aumentou nas últimas duas décadas.
Segundo a pesquisa Elemento Suspeito, o racismo está no centro da atividade policial e do sistema de justiça criminal. De acordo com o estudo, o quadro geral é de que nos últimos anos houve uma radicalização do foco no elemento suspeito.
O boletim Negro Trauma revela o universo das abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro e também outras experiências dos cidadãos com a polícia, além da avaliação da população sobre os agentes de segurança.
- 68% das pessoas abordadas andando a pé e 71% das abordadas no transporte público são negras;
- 17% das pessoas abordadas já foi parada mais de 10 vezes;
- 79% dos que tiveram sua casa revistada pela polícia eram negros;
- 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia são pessoas negras;
- PM tem pior desempenho na avaliação entre os entrevistados e recebe nota 5,4;
- Só 17% acham que não existe racismo na Polícia Militar.
Metodologia
A primeira parte da pesquisa foi quantitativa: a partir de um rastreamento com 3.500 pessoas em pontos de fluxo na cidade, foram feitas 739 entrevistas em maio do ano passado e detalhadas pelo Instituto Datafolha.
A segunda parte foi qualitativa: foram realizados grupos focais e entrevistas com jovens moradores de favelas, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres e policiais.
Desta forma chegou-se ao perfil predominante de pessoas consideradas reiteradamente suspeitas pelos policiais e escolhidas para as abordagens.
Assim como na primeira pesquisa, comprovou-se que são os jovens negros os maiores alvos dos agentes de segurança. Enquanto 48% da população da cidade do Rio de Janeiro é negra, o percentual de pessoas negras abordadas pela polícia chega a 63%. Um quinto (17%) dessas pessoas já foi parada mais de 10 vezes.
Uma pesquisa semelhante foi feita pela primeira vez em 2003.
Locais
–
Ao observar o local das abordagens, a pesquisa aponta que atividades comuns para pessoas brancas são vistas como suspeitas para pessoas negras.
Negros são 68% dos abordados andando a pé na rua ou na praia, 74% em vans ou Kombis, 72% nos carros de aplicativos, 71% no transporte público, 68% andando de moto e 67% em um evento ou festa.
Em todas as modalidades de abordagem, sem exceção, os negros são mais parados do que os brancos.
Revista corporal
O levantamento mostra que, entre os participantes da pesquisa, 50% sofreu revista física e, entre eles, 84% eram homens, 69% eram negros (lembrando que apenas 48% dos cariocas são negros), e 70% eram moradores de favelas e bairros de periferia. Em contraponto, somente 10% dos brancos que ganham mais de 10 salários mínimos são revistados.
Policiais militares que participaram do grupo focal na pesquisa afirmam que o “elemento suspeito” seria o indivíduo com “bigodinho fininho e loirinho, cabelo com pintinha amarelinha, blusa do Flamengo, boné…” ou seja, os agentes descreveram a estética dos jovens das favelas e periferias cariocas. Mais uma vez, o índice IGCCT está presente na avaliação dos agentes. Para homens negros o risco de revista física é semelhante ao de ser abordado.
Mulheres e mulheres trans: revistas em bolsas e cabelos
As mulheres (16%) são menos abordadas do que os homens (84%) e menos revistadas quando são abordadas. Embora ocorram eventualmente, são escassos os relatos de revistas físicas em mulheres executadas por policiais homens.
No entanto, quando paradas pelos agentes de segurança, mulheres e mulheres trans passam por intimidações e têm suas bolsas revistadas com os pertences muitas vezes espalhados no chão e no capô das viaturas.
“Eu não uso bolsa para ir trabalhar. Vou de mototáxi e eles não podem ver uma mulher negra na garupa da moto com bolsa que param a moto para revistar a bolsa”, explicou uma das participantes do grupo focal.
Entrevistadas também relataram que, além da revista corporal, policiais costumam procurar drogas nos cabelos, isto é, nas tranças afro e nos dreads usados por jovens negras e negros.
Violência nas abordagens
Fazendo uma comparação entre a mesma pesquisa feita em 2003 e o levantamento atual, ameaças durante as abordagens policiais passaram de 6,5% para 23%. Mas a experiência violenta mais comum é ter uma arma diretamente apontada para si: o uso de armas apontadas para os abordados foi 9,7% em 2003 para 28% na pesquisa atual.
Segundo o estudo, são essas múltiplas experiências de violência que levam aos vários traumas psíquicos vivenciados por pessoas pretas.
As abordagens têm um efeito prolongado sobre a vida dos sujeitos entrevistados, provocando mudanças no comportamento, na escolha dos trajetos, nos horários de trabalho e de lazer, na forma como se vestem ou utilizam seus cabelos e acessórios.
Um dos entrevistados disse: “Eu fico pensando: como será minha vida? Eu vou aguentar ser parado pela polícia todo dia?”.
Outras experiências com a polícia
Nesta pesquisa, outras experiências com a polícia, para além da abordagem policial, foram consideradas.
Entre os entrevistados, negros são 70% dos que presenciaram a polícia agredindo pessoas, 79% dos que tiveram suas casas invadidas e 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.
–
Avaliação das forças de segurança
A pesquisa também perguntou aos entrevistados sobre a avaliação da PM em relação a eficiência, respeito, racismo, corrupção e violência. As pessoas também deram notas para as forças de segurança. A Polícia Militar teve o pior desempenho entre os participantes do estudo, com nota 5,4.
–
As notas são as médias de todos os entrevistados, considerando que alguns grupos fizeram avaliações mais negativas da Polícia Militar: 45% das pessoas pretas reprovaram a Polícia Militar (isto é, deram nota menor que 5); 23% das pessoas brancas e 28% das pessoas pardas também reprovaram a PM. Apenas 3% consideram a PM nada corrupta e 7%, nada violenta.
Sobre operações policiais, 80% dos entrevistados acreditam que elas precisam existir, mas quase a totalidade (97%) discorda que a polícia poder ferir e matar pessoas nessas ações.
O que diz a PM
A Polícia Militar informou que suas ações são baseadas em protocolos rígidos e que a maioria dos policiais militares vem das classes de base da sociedade, incluindo as comunidades carentes o que os torna parte do contexto estrutural histórico-social.
A PM afirma que foi uma das primeiras instituições públicas do País a ser comandada por um negro e que, atualmente, mais da metade do efetivo de praças e oficiais é formada por pessoas negras.