RIO — Pesquisa inédita do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes, sobre como os jornais retratam a violência urbana e a segura pública revela que os principais jornais de São Paulo dedicam um espaço desproporcional aos casos ocorridos no Rio.
Do total de notícias sobre violência veiculadas no período analisado pelos jornais cariocas, 85% foram sobre casos do Rio. Já do total de notícias dos jornais paulistas, 56% foram de casos ocorridos em São Paulo. Do restante, 22,8% referiam-se a notícias do Rio e 20,2% de outros Estados.
Nos jornais mineiros, 70% das notícias sobre violência foram de casos ocorridos em Minas Gerais e apenas 8,7% de notícias do Rio.
A pesquisa analisou 2514 textos jornalísticos, veiculados pelos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Agora SP, O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, O Estado de Minas, Diário da Tarde e Hoje em Dia selecionados ao longo de 35 dias distribuídos por 5 meses do ano de 2004.
No jornal “O Estado de S. Paulo”, por exemplo, entre todos os textos sobre violência publicados no período, os que se referem a casos ocorridos no Rio somaram 28,5%, contra 44,7% de casos de São Paulo. Na “Folha de S. Paulo”, as notícias sobre crimes no Rio chegaram a 28,8%, contra 46,8% sobre casos em São Paulo.
“Tudo que acontece no Rio chama a atenção porque existe a noção de que a violência no Rio é mais difusa e por que, via de regra, os crimes ocorrem em regiões próximas de onde a classe média e alta, que é a grande leitora de jornais mora”, afirma a jornalista Anabela Paiva, uma das coordenadoras da pesquisa.
“O perfil da violência no Rio e a importância da cidade como referência nacional justifica uma cobertura mais intensa, mas o que se percebe é que os jornais de São Paulo cobrem muito o Rio e pouco outras cidades como o Recife, que também é uma cidade bastante violenta”, afirma.
Com relação a cobertura da imprensa carioca, a pesquisadora destaca que, ainda que esta seja bastante abrangente, o pequeno destaque dado aos casos de outros Estados limita as opções de comparação.
As estatísticas de Segurança Pública mostram que a violência é um problema grave tanto no Rio quanto em São Paulo. O número de homicídios no Rio em 2004 chegou a 6.438 (uma taxa de 42,3 casos por 100 mil habitantes), enquanto em São Paulo ocorreram 8.934 casos (22,4).
Já nos registros de roubo e furto São Paulo lidera. De janeiro a setembro de 2004, São Paulo teve 235.028 roubos (uma taxa de 598,2) e o Estado do Rio 84.874 (558.2). Em São Paulo foram furtados ou roubados 186.272 veículos (taxa de 476), contra 52.092 no Rio (342). Já em relação a seqüestros, São Paulo registrou no ano passado 112 casos, contra 10 no Rio.
Sobre o foco de abordagem das coberturas, o estudo mostra que o principal assunto abordado, mais até do que os registros de violência, são as forças de segurança. As várias corporações policiais (Federal, Civil, Militar e Técnica), as Forças Armadas e as guardas municipais são as protagonistas do noticiário, sendo o assunto de 40,5% dos textos. Em seguida, vem o ato violento (21%), e os desdobramentos e repercussões destes atos (16,2%).
E a pesquisa também derruba o mito de que a mídia “só dá destaque às coisas negativas sobre a polícia”. Do total de 2514 textos analisados, 585 (23,2%) focalizam ações policiais bem sucedidas: prisões, apreensões, resultados de investigações, mostrando a polícia “em ação”.
Quanto ao tipo de crime com maior cobertura dos jornais, o homicídio é, de longe, o que recebe a maior atenção (44,8% dos atos criminais noticiados). Há, porém, uma diferença entre os jornais cariocas e os das demais cidades. Enquanto nos outros o homicídio é disparado o crime mais coberto (58,5% nos jornais de Minas e 46% nos jornais de São Paulo), nos jornais do Rio há um maior equilíbrio entre homicídio e roubo e furto: 35,2% dos crimes noticiados são homicídios e 32,4% são roubos e furtos.
Notícias sobre seqüestros apareceram em 3% dos textos de Belo Horizonte, em 5,1% do Rio e em 6,8% nos jornais de São Paulo. Já as notícias sobre bala perdida apareceram apenas nos jornais do Rio de Janeiro (13 casos).
“É natural que os homicídios sejam os crimes que mereçam mais atenção, pois se trata de um crime mais grave, mas falta uma maior contextualização nas matérias”, afirma Anabela.
Segundo o estudo, 94,7% das matérias não mencionam estatísticas. “O crime costuma receber maior destaque quando ocorre num bairro nobre, mas nessas regiões os índices de criminalidade são próximos a de países desenvolvidos e ao não informar isso cria-se uma sensação de insegurança que não corresponde a realidade”, afirma.
A pesquisa constata avanços na cobertura da segurança pública, mas destaca que os jornais ainda são altamente dependentes das fontes policiais e dão mais destaque ao noticiário factual e a histórias individuais, com baixa presença de opiniões divergentes e pouca contextualização.