“Elemento Suspeito”, levantamento coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), revela que 63% das pessoas abordadas por policiais na cidade do Rio são negras
RIO — Uma pesquisa que será lançada nesta terça-feira mostra a raiz de casos como o do entregador Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, preso injustamente semana passada após comprar pão na Favela do Jacarezinho: o racismo na abordagem policial. De acordo com o levantamento Elemento Suspeito, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), 63% das pessoas abordadas por policiais na cidade do Rio são negras. A primeira edição desse trabalho foi feita em 2003. Mas, quase 20 anos depois, houve pouca mudança.
— Esse padrão continua. O que observamos como novo é a forma como se dá a “racialização“ (como a raça é construída). Em 2021, os policiais militares (ouvidos na pesquisa) falaram que o elemento suspeito para eles são aqueles que têm o bigodinho fininho, o cabelinho na régua e pintinhas amarelas no cabelo. A suspeição é estendida para toda favela porque esse perfil que o policial militar cita não é circunscrito à chamada criminalidade. É a cultura periférica e favelada do Rio de Janeiro. O território em si se torna “racializado” — explica Pedro Paulo da Silva, pesquisador do CESeC.
O estudo mostrou ainda que ações do cotidiano, quando exercidas por pessoas negras, são vistas como suspeitas. Negros são 68% dos que foram abordados andando na rua ou na praia, 74% em vans ou Kombis, 72% nos carros de aplicativos, 71% no transporte público, 68% em moto e 67% em um evento ou festa. Em todas as modalidades de abordagem citadas na pesquisa, os negros são mais parados do que os brancos.
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Foi o que ocorreu com Yago no último dia 6. Negro, o jovem vive hoje em liberdade provisória, após a Justiça entender que não há provas suficientes de envolvimento com tráfico de drogas para mantê-lo atrás das grades. Irmã do entregador, Érica Corrêa de Souza diz que luta para limpar o nome do rapaz, que viu um policial apontar um fuzil para ele. Na opinião dela, ele foi vítima de racismo.
— Quando a polícia chegou, muitas pessoas correram. O Yago correu para se abrigar na farmácia, e foi o mais visado, sendo tachado injustamente de traficante, sem direito de defesa. Isso é racismo, sim. Estamos falando de um jovem negro, alto, magro, vestindo a camisa do Flamengo, que foi arrancada dele. Ele não pode correr para se abrigar e se proteger porque aí é traficante — afirma. — Estamos no século XXI, fomos libertos, mas não temos a voz da liberdade. Continuamos vivendo racismo, preconceito. E somos pessoas de bem, só queremos paz. Mas, pela cor da nossa pele, não temos esse direito. É revoltante ter que provar a inocência de um inocente.
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Entre os que foram parados mais de dez vezes por policiais, de acordo com a pesquisa, 94% eram homens, 66% eram negros, 50% tinham até 40 anos, 35% moravam em favelas, 33% moravam em bairros de periferia e 58% ganhavam até três salários mínimos.
— Estou saturado de ser o Luiz Justino que foi preso — desabafa o violoncelista Luiz Carlos Justino, de 25 anos, da Orquestra de Cordas da Grota.
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Um ano e meio após ser preso injustamente durante uma abordagem policial no Centro de Niterói, o músico tenta “virar essa página”. Havia um mandado de prisão contra ele, por um assalto à mão armada em 2017, baseado apenas num reconhecimento por meio de uma fotografia que constava no livro da 79ª DP (Charitas). O jovem negro, que ficou detido quatro dias em dois presídios diferentes, precisou fazer tratamento psicológico para tentar superar o trauma. Justino é tomado de revolta quando fala do caso:
— Esse assunto me fere e tira o meu foco, porque sou músico. O que eu passei não quero que nenhum jovem negro viva. Só mudam as vítimas, porque a cor é sempre a mesma — afirmou ele ontem, um dia depois de ser abordado na rua mais uma vez pela polícia.
Para o pesquisador Pedro Paulo, o homem negro vendo sendo construído historicamente como perigoso, violento:
— Ele vai ser literalmente o que é o arquétipo do que é perigo no Brasil.
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Nota baixa para a PM
O resultado da pesquisa foi baseado em 3.500 entrevistas feitas pelo Instituto Datafolha em diferentes pontos da cidade do Rio, com moradores de mais de 16 anos, em maio de 2021. Depois, o estudo ouviu grupos específicos com jovens moradores de favelas e policiais. Além da abordagem policial, o trabalho perguntou aos entrevistados as notas que dariam às forças de segurança: a Polícia Militar teve a pior avaliação, com 5,4. Todos os resultados da pesquisa estão no boletim “Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro”.
Em nota, a PM informou que é uma corporação com a missão central de defender a sociedade do Rio e que suas ações são baseadas em protocolos rígidos, treinamentos e orientação. Disse ainda que a maioria do contingente policial militar vem das classes de base da sociedade, incluindo as comunidades carentes, o que torna os agentes parte do contexto estrutural, histórico e social em que atuam. Ressaltou que foi “uma das primeiras instituições públicas do país a ser comandada por um negro e hoje mais da metade de seu efetivo de praças e oficiais é composto por afrodescendentes”.