Estudo de pesquisadores da Universidade Candido Mendes mostra que parcelas consideráveis do orçamento público são destinadas à implementação da Lei de Drogas, quando poderiam ser usadas em outras áreas
RIO — Em apenas um ano, Rio e São Paulo gastaram, juntos, R$ 5,2 bilhões para combater o tráfico e o uso de drogas. O cálculo é resultado de um levantamento inédito do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes, que analisa os impactos da proibição das drogas no orçamento dos dois estados.
Para chegar ao montante, a equipe de pesquisadores, coordenados pela socióloga Julita Lemgruber, tomou como base o ano de 2017 e calculou as proporções de trabalho das polícias, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Tribunal de Justiça e dos sistemas penitenciário e socioeducativo dedicadas ao cumprimento da Lei de Drogas.
O primeiro passo foi estabelecer indicadores para estimar o volume de trabalho de cada instituição. Na Polícia Civil, por exemplo, os pesquisadores levaram em conta os percentuais de registros de ocorrência e inquéritos instaurados e finalizados relativos à Lei de Drogas, em comparação com o número total de procedimentos. Já na PM, foi calculado o percentual de Boletins de Ocorrência Policial Militar (BOPM) gerados no combate ao tráfico e ao uso de drogas, em relação ao total de documentos produzidos no ano. Em seguida, o orçamento de cada órgão foi divido de acordo com o percentual envolvido na Lei de Drogas.
O estudo propõe alternativas de uso dos recursos usados no combate ao tráfico e ao uso de drogas. De acordo os pesquisadores, o montante estimado para cumprir a Lei de Drogas no Rio, R$ 1.050.826.606, seria capaz de financiar 121 escolas para mais de 77 mil novos alunos ou garantir, por um ano, o funcionamento de cinco hospitais estaduais. Já com os R$ 4.203.796.932 gastos por São Paulo, seria possível comprar 27 mil ambulâncias com UTI móvel ou beneficiar 583 mil famílias por um ano com um programa de renda básica, como o auxílio emergencial pago durante a pandemia.
— Parcelas consideráveis do orçamento público são drenadas para atividades relacionadas à implementação da Lei de Drogas. E isso não funciona, na medida em que não tem efeito sobre o consumo. O uso dessas substâncias jamais foi controlado com o proibicionismo. O que acontece no cotidiano é que a polícia corre atrás do jovem negro que está no varejo das drogas. A guerra às drogas à brasileira é a face mais ostensiva do racismo estrutural do país — afirma Lemgruber.
Para os autores, o estudo apresenta uma perspectiva conservadora: eles acreditam que o montante gasto com a Lei de Drogas é ainda maior.
— Os números estão subestimados. Isso porque o estado não tem dados detalhados sobre seus gastos. A PM, por exemplo, não sabe quanto gasta em uma operação. Se esses dados estivessem disponíveis, chegaríamos a números mais altos — diz Lemgruber.