Na semana passada, assistimos a um filme de terror que periodicamente se repete no Brasil.
Depois do massacre de mais de 90 pessoas sob custódia do Estado em presídios de Manaus e Boa Vista, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que comprovadamente recusou ajuda à governadora de Roraima, Suely Campos, anunciou seu panfletário Plano Nacional de Segurança Pública.
Há 20 anos apresentam-se planos nacionais sempre que algum acontecimento espetacular chama atenção da sociedade e da mídia.
Tais planos geralmente pecam pelo improviso e pelo não enfrentamento dos problemas estruturais do setor, que colocam em xeque nossa cambaleante democracia. Entre eles, a falta de capacidade do Estado brasileiro de enfrentar a violência homicida, que vitima em torno de 60 mil pessoas por ano, e a altíssima letalidade da nossa polícia, que mata em média nove pessoas por dia. O último não é diferente.
Os poucos avanços pontuais obtidos nesses 20 anos não tiveram continuidade, como foi o caso do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), de 2007, que procurou articular o financiamento federal a contrapartidas de Estados e municípios, sobretudo na área da prevenção.
Mais recentemente, em 2015, o governo federal apresentou à sociedade um detalhamento de programas e metas para redução de homicídios, cuja elaboração contou com a participação de pesquisadores e entidades civis. Esse trabalho foi descartado pelo atual governo.
Assim que assumiu a pasta, o novo ministro da Justiça declarou que o combate ao crime não precisava de pesquisa, e sim de mais armas, em claro apoio à lógica meramente repressiva e belicista, comprovadamente fracassada tanto aqui quanto em outros países.
O que mais espanta no que está sendo agora apresentado é a superficialidade das propostas e o caráter retórico do plano nacional, que nem merece esse nome, pois prevê intervenções repressivas pontuais em três cidades (Maceió, Natal e Porto Alegre) e nenhuma ação articulada de prevenção nas áreas com maiores taxas de violência.
E o que é pior, o conceito de homicídio utilizado ignora latrocínios, lesões seguidas de morte, mortes provocadas pela polícia e mortes de policiais em serviço –ocorrências já incorporadas nos planos anteriores como parte do conceito mais amplo de violência letal intencional.
Para responder à crise penitenciária, o plano promete criar vagas em unidades federais e estaduais, sem qualquer articulação com um programa mais amplo capaz de estancar o vertiginoso crescimento da superlotação carcerária.
Ao contrário, inúmeras propostas do plano vão contribuir para uma explosão jamais vista do número de presos. O plano também é míope porque não apresenta propostas concretas para o grave problema dos presos provisórios, que representam quase metade do total e que, na grande maioria, estão presos ilegalmente, como várias pesquisas já demonstraram.
Seria irrealista esperar do atual governo que enfrentasse uma discussão séria sobre nossa atual política de drogas, responsável por superlotar presídios com usuários e pequenos traficantes, e por alimentar, dentro e fora das cadeias, o poderio das facções criminosas.
Mas não se esperava um mergulho tão profundo nas mais retrógradas das mentalidades penais, nem uma degradação tão acelerada das estruturas de segurança e Justiça criminal no Brasil. É preciso urgentemente frear essa lógica, ou a barbárie e o horror cada vez mais farão parte do cotidiano de nosso país.
JULITA LEMGRUBER, socióloga, é coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes. No Estado do Rio de Janeiro, foi diretora do Sistema Penitenciário (1991-94) no governo Leonel Brizola e ouvidora de Polícia (1999-2000) na gestão Anthony Garotinho
RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO, sociólogo, é professor da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública