Avenida Brasil e entorno tiveram 1.205 tiroteios em pouco mais de um ano

255 pessoas morreram a tiros na Avenida Brasil ou em comunidades do entrono - Guito Moreto / Agência O Globo

RIO – Principal via de acesso ao Centro do Rio, por onde passam cerca de 250 mil veículos por dia, a Avenida Brasil é uma área de risco para motoristas e passageiros. Levantamento feito pelo portal Fogo Cruzado, a pedido do GLOBO, mostra que, em pouco mais de um ano, foram relatados 1.205 trocas de tiros ou disparos de arma de fogo nas comunidades às margens dos 58,5 quilômetros da via expressa e na própria rodovia.

O número representa uma média de três ocorrências por dia. Os dados da plataforma digital colaborativa, que registra tiroteios na Região Metropolitana do Rio, são referentes ao período de 5 julho de 2016 até o último dia 18. Um frentista de 35 anos, que mora na Maré e trabalha num posto de gasolina em Realengo, conta que já ficou na linha de tiro diversas vezes a caminho do trabalho:

— Quem cresce em favela já está acostumado a ouvir tiros, mas fico com medo de sair e não voltar, porque aqui perto de casa vive tendo operação policial e no caminho do trabalho tem sempre o risco de acontecer um assalto. Outro dia teve arrastão de manhã cedo, e todo mundo teve que se deitar dentro do ônibus.

Além do pânico que os disparos provocam em que cruza a avenida, os confrontos ocorridos nesses 378 dias deixaram 255 mortos, sendo 47 policiais militares. Quase metade das mortes de civis (não policiais) no entorno da Avenida Brasil ocorreu em Campo Grande, Acari, Penha, Cordovil e Santa Cruz. Já o número de feridos chegou a 348. Entre os baleados, 81 eram PMs, de acordo com a pesquisa do aplicativo. Campo Grande teve o maior número de feridos: 41 vítimas (36 civis e cinco PMs).

MAIORIA DOS CASOS OCORREU NA PENHA

Inaugurada em 1946, a Brasil corta 27 bairros cariocas, ligando o Centro à Zona Oeste. Segundo a pesquisa, a Penha, onde ficam favelas como a Chatuba e a Vila Cruzeiro — que conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) —, foi a região que registrou o maior número de tiroteios. Dos 1.205 casos, 189 ocorreram no trecho da avenida que passa pelo bairro. Em segundo lugar, surge o Complexo da Maré, com 125 tiroteios, seguido de Bangu (82), Acari (79) e Manguinhos (77).

O levantamento também leva em conta os tiros disparados em crimes cometidos na via, como arrastões, roubos de carga e assaltos, como o caso do comerciante Flávio Lucas Alves, morto por bandidos quando passava de carro por Realengo, no último dia 7. Também foram contabilizadas as vítimas de balas perdidas. O trabalho foi feito com base nas informações fornecidas pelos usuários do aplicativo Fogo Cruzado, em notícias publicadas na imprensa e nas redes sociais e em dados do site e do Twitter da Polícia Militar.

Para a cientista social Julita Lemgruber, esses números são o resultado da estratégia do policiamento de confronto adotada pelo governo estadual:

— Os dados são um reflexo da falta de uma política de segurança pública no Rio e da falta de uma ação articulada entre os governos federal, estadual e municipal, em que a União tem se omitido, mandando para cá meia dúzia de policiais. Além disso, o governo estadual não tem feito o dever de casa. O que vimos no Estado do Rio de Janeiro nos últimos anos foi uma tentativa fracassada de implantação do policiamento comunitário, as UPPs. O grande número de tiros disparados é um retrato de tudo isso — criticou a pesquisadora, que coordena o Centro de Estudos de Cidadania na Universidade Candido Mendes (CESeC).

Na avaliação de Cecília Olliveira, gestora de dados do aplicativo Fogo Cruzado, a quantidade de tiros disparados na Avenida Brasil mostra um cenário de guerra:

— Apesar das diferenças de perfis das comunidades e dos bairros localizados no entorno da Avenida Brasil, que convivem com crimes ligados ao tráfico de drogas e com roubos de carga, a polícia age de forma uniforme, partindo sempre para o confronto — analisa Cecília, que é jornalista com especialização em segurança pública.

Uma pesquisa feita pelo jornal “Extra”, que analisou 1.800 roubos no interior de veículo registrados em todas as 42 delegacias distritais da cidade nos primeiros seis meses deste ano, constatou que a Avenida Brasil ficou em segundo lugar do ranking, com 103 ocorrências, perdendo o topo para a Avenida Pastor Martin Luther King Júnior. Mas, quando o crime é assalto a pedestres, a Avenida Brasil é a mais perigosa. No primeiro semestre, ocorreram ali 683 casos — uma média de quase quatro roubos por dia.

SECRETARIA NEGA POLÍTICA DE CONFRONTO

A Secretaria de Segurança afirmou, por meio de nota, tem “como principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias.” Segundo o órgão, a política de segurança do governo “nunca foi a do confronto, mas, infelizmente, a polícia do Rio apreende oito mil armas de fogo por ano, aproximadamente 24 por dia, sendo um fuzil (em maio, foram dois)”. De acordo com a nota, “o secretário Roberto Sá mantém interlocução permanente com os comandos das polícias Militar e Civil, orientando-os na busca incessante de medidas que impactem na redução dos indicadores de violência, principalmente o de letalidade violenta”.

O patrulhamento da Avenida Brasil é de responsabilidade do Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE). Reportagem do GLOBO publicada há dez dias mostrou que a unidade da PM tem apenas 350 agentes para cobrir cerca de 120 quilômetros das principais vias da cidade — além da Avenida Brasil, a Linha Vermelha, a Linha Amarela e a Transolímpica. Mas, efetivamente, devido à escala de trabalho, o batalhão conta com apenas 120 homens por dia. De acordo com a PM, esse efetivo atua “na análise da mancha criminal, que indica os pontos e os horários de maior incidência de delitos.” Ainda segundo a corporação, de 1º junho até 23 de julho desde ano, foram feitas 58 prisões e 16 apreensões de armas na Avenida Brasil. Também foram recuperados 53 veículos e nove caminhões de carga roubados.

O aplicativo e mapa colaborativo Fogo Cruzado foi criado com o apoio da Anistia Internacional, como uma das ações da campanha “A violência não faz parte desse jogo”, lançada um mês antes da Olimpíada de 2016, que tinha o objetivo de exigir medidas preventivas para evitar violações de direitos humanos durante as operações policias.

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