Socióloga analisa impactos da intervenção federal na segurança do Estado do Rio de Janeiro
No próximo dia 6 de março, será lançado o Observatório da Intervenção, para monitorar os desdobramentos das ações sob o Comando Militar do Leste, responsável pela segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, desde 16 de fevereiro, conforme decreto federal. O foco principal serão as possíveis violações em favelas e periferias. Idealizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC/Ucam), esse observatório conta com a parceria da Anistia Internacional Brasil e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Para falar sobre a intervenção, ouvimos a socióloga Julita Lengruber, diretora do CESec/Ucam.
Por que ver com reservas essa intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro? A medida não poderá diminuir o índice de criminalidade no estado? Isso poderá até ocorrer, mas durante um curto período. Antes de mais nada, precisamos discutir a intervenção. Não podemos deixar de ver o caráter político dessa ação, que parece ter sido sugerida pelos marqueteiros do presidente Temer. O Exército e todas as Forças Armadas foram pegos de surpresa por esse decreto. Ao ser convocado, o próprio general Walter Braga Netto [chefe do Comando Militar do Leste, que assumiu o controle da segurança no Estado do Rio de Janeiro] disse que o problema de violência seria “coisa da mídia”. Agora, ao conceder uma entrevista coletiva para anunciar seu plano de ação, essa impressão de que os militares foram pegos de surpresa foi reforçada. Continuamos sem saber o que será feito efetivamente. No Carnaval, a (escola de Samba Paraíso do) Tuiuti chamou tanto a atenção, que parece que os marqueteiros do Temer se assustaram com a figura do presidente encarnando um vampiro (em carro alegórico da escola, durante desfile do Grupo Especial).
Houve mesmo essa relação direta entre o desfile das escolas de samba do Grupo Especial e a decisão de fazer essa intervenção no Estado do Rio?
O que acontece no Rio de Janeiro reverbera em todo o país. O que se passou (no Sambódromo do Rio) pode ter sido a gota d’água. Afinal de contas, a popularidade do Temer é a mais baixa entre os presidentes da República desde 1990. Eu não acredito que a estratégia seja viabilizar sua candidatura às eleições presidenciais em outubro deste ano. Não acredito que tenham essa ilusão de que ele consiga isso em virtude da intervenção. Mas não resta dúvida de que essa medida tem um caráter político. O general Braga Netto terá sob seu poder um contingente imenso de homens e mulheres (número superior a cem mil pessoas), reunindo o Comando Militar do Leste, a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros e a Administração Penitenciária.
E se não forem alcançados os objetivos alegados para fazer essa intervenção? Há quem acredite que isso poderá vir a justificar uma situção de Estado de Sítio ou outra medida que venha a obstaculizar as eleições. Quem se preocupa com a democracia neste país deve estar muito atento para o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Caminhos podem ser abertos para medidas mais radicais, num aprofundamento deste abismo em que estamos.
O general Braga Netto disse que o Rio seria uma espécie de laboratório para todo o país.. Por que o Rio de Janeiro, se há outros estados com índices mais altos de criminalidade, como Sergipe, por exemplo. Certamente, outros governadores não querem abrir mão do seu poder, do controle da segurança. No Rio de Janeiro, vemos um desfacelamento no MDB e uma tentativa da corrente do Temer, no partido, se utilizar da derrocada do governo estadual. Em que medida o Rio de Janeiro pode ser um laboratório? Eles vão estender essa ação das Forças Armadas até que limite? Quando colocam essa possibilidade do mandado de busca coletivo, é preciso lembrar que militares agora só poderão ser julgados pela Justiça Militar (Lei 13.491, de outubro de 2017. Vai ser uma laboratório em que utilizarão os experimentos de mandados de busca coletiva?
A lei que determina o julgamento de militares somente pela Justiça Militar teria sido sancionada já com a intenção de fazer intervenções, como a que acontece agora no Estado do Rio?
Eu acredito que isso tenha sido feito para atender primeiramente às GLOs [operações das Forças Armadas de Garantia da Lei e da Ordem que aconteceram na cidade do Rio nos últimos anos]. E isso agora servirá também a essa intervenção.
A violência no Estado do Rio de Janeiro se restringe somente às consequências do comércio ilegal das drogas?
Precisamos admitir que chegamos a esse lugar porque, nos últimos anos, a política de segurança foi enfrentar com violência o varejo do tráfico de drogas. Se não discutirmos essa questão, não conseguiremos entender por que chegamos até aqui. Afinal de contas, temos que enfatizar que o consumo de drogas acontece na cidade toda. Se você mora no Leblon, você pode ligar para um delivery e ter a droga que quiser entregue na porta de casa. Quem transporta essa droga não tem um fuzil apontado para sua cabeça. Se você mora na Zona Sul, você consegue a droga que quiser, mais rápido que uma pizza. No entanto, para lidar com a segurança pública no Rio de Janeiro, escolheram usar violência contra o varejo das drogas. Precisamos medir o custo da proibição das drogas. É uma guerra voltada para quem mora na favela.
Qual a avaliação que a sehora faz das atuação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs)?
No início se imaginava que as UPPs incorporassem outras ações, que não fossem somente as de polícia. Em tese, precisamos prover segurança para os moradores de favela. A Redes da Maré tem uma área que discute segurança pública, que tenta dialogar com as moradores para mostrar que a favela tem tanto direito à segurança pública quanto à educação ou à saúde. Esse são serviços que o Estado deve prover na favela. O morador de favela tem direito à segurança pública. Temos que pensar em estratégias que possam assegurar que os moradores de favela possam viver em paz. Da maneira como foi construído, o projeto das UPPs era insustentável. Demandava uma quantidade enorme de policiais. Nós, do Cesec, monitoramos as UPPs. O que percebemos foi que, no início, elas não conseguiram dialogar com a favela. Não houve uma preocupação em tornar aquele policiamento respeitoso, que dialogasse com a favela. O próprio Beltrame (José Maria Beltrame, secretário de segurança nos governos Sérgio Cabral e Pezão) dizia que não podia ser só a polícia, que outros serviços deveriam acompanhar o projeto das UPPs. Na verdade, foi um projeto feito para os grandes eventos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016).