É inaceitável que tantos policiais morram, assim como tantas vítimas de bala perdida, como recentemente aconteceu no Complexo do Alemão, incluindo uma criança de 3 anos. A cidade e o Estado do Rio são uma situação-limite. Em qualquer lugar do mundo, a morte de um policial causa indignação. Aqui, isso se tornou banalizado, como todas as mortes que acontecem dia a dia em consequência da violência.
Com relação à morte de policiais e, nesse caso, a de policiais militares, é sempre importante verificar quantos deles morreram em serviço. No ano passado, de todos os policiais militares assassinados (134), 22 estavam em serviço. Outra parte foi assassinada por ter sido identificada como policial ou porque reagiu a um assalto. E há ainda aqueles que podiam estar envolvidos com a criminalidade. Seja qual for a situação, é absurdo que não haja indignação com essas mortes, que passaram a fazer parte do cenário da cidade e do estado. Assim como é também absurdo ninguém se mobilizar por causa de mortes violentas nas favelas. Eu espero que a morte da Marielle seja um divisor de águas nesse cenário. A morte dela tem um significado simbólico importante, que mexeu com a população de várias partes do mundo. É uma mulher negra, que vem da favela, que assume ser lésbica, defende não só a causa LGBT mas os direitos humanos, de forma ampla.
E nessa defesa ela incluía também os policiais, tanto civis quanto militares. Tanto assim que têm aparecido relatos de famílias desses policiais a respeito do apoio que Marielle dava a eles, mesmo antes de se tornar vereadora. Marielle defendia o direito desses policiais.
Por isso, também, a morte dela conseguiu sensibilizar tanta gente. Hoje circula manifesto, com assinatura de personalidades até estrangeiras, pedindo que se esclareça esse assassinato o quanto antes. Agora, é um caso específico, que não faz parte do cotidiano em que o crime aqui ficou banalizado. Por isso, espero que seja um divisor de águas e que mexa de uma vez por todas com nossa sociedade. A população ficou anestesiada diante de tantas mortes, mortes contra as quais a própria Marielle lutava. Como elas se repetem dia a dia, fica difícil haver comoção maior. Mas é inaceitável que as mortes de vítimas da violência, incluindo a de policiais militares, não nos comovam.